Artigo originalmente publicado no Maisfutebol a 7 de janeiro de 2014. Recuperado no dia da morte de Johan Cruijff, 24 de março de 2016

Entrámos no ano 14. E se há números simbólicos no futebol, talvez não haja nenhum tão personalizado como este. 14 é Johan Cruijff. E poucos mais. Ainda assim, alguns. Incluindo um português, precisamente por causa de Cruijjf. Já lá vamos.

Não é um número que diga à partida algo sobre quem o usa. Não é o mítico 10 dos maestros, não é o 7 dos criativos, o 9 dos goleadores nem o 1 dos guarda-redes. É outra coisa, é diferente. Por isso mesmo faz sentido que tenha sido adotado por alguém tão singular como Cruijff. Johan foi um dos melhores jogadores de sempre. Além disso foi, e é, uma personalidade única. Um líder, egocêntrico, conflituoso, genial.

Mas na verdade o 14 começou por ir parar-lhe às costas por acaso. O seu número no Ajax era o 9 e foi uma falha logística que o levou a mudar. Depois de uma lesão que o afastou durante várias semanas no início da época de 1970/71, voltou a 30 de outubro, antes de um jogo com o PSV. Naquele dia, no balneário, o médio Gerrie Muhren não encontrava a sua camisola 7. «Tinha ficado esquecida no cesto da roupa suja», contou um dia Muhren à «Voetbal International». «Cruijjf disse-me: «Tens aqui a 9, usa-a.» E ele ficou com a 14. Ganharam o jogo e na semana seguinte Muhren ofereceu-se para repor a normalidade, mas Cruijjf não quis. «Correu tão bem, deixa.»

E assim ficou. Passou a usar o 14 no Ajax e também na seleção da Holanda. Foi o seu número no Mundial de 1974. Porque ele era Cruijff e quis ser diferente. Naquele Campeonato do Mundo a Holanda definiu que a numeração dos jogadores seria por ordem alfabética. Nessa lógica, Cruijjf devia ser o 1. Mas ele recusou. Foi 14, o único jogador da «Laranja» que furou a regra. Não foi aliás a única norma que boicotou na Alemanha. Patrocinado por uma marca rival daquela que vestia a seleção, Cruijff arrancou uma das três riscas da sua camisola e foi assim que liderou a Holanda até à final, perdida com a Alemanha.

Cruijff na final do Mundial 1974



Foi com o 14 nas costas que Cruijff ganhou tudo o que havia para ganhar com o Ajax. Venceu três Taças dos Campeões Europeus seguidas, entre 1971 e 1973, ganhou três vezes a Bola de Ouro. Fez muito depois disso, como jogador e como treinador, mas é uma referência eterna do clube holandês. Tanto que o Ajax decidiu retirar para sempre a camisola 14, em 2007, para assinalar o 60º aniversário de Cruijff. Igual a si próprio, Johan não gostou. «A camisola 14 devia ser sempre para o melhor jogador, não devia ser retirada», terá dito.

Cruijff é até hoje uma figura muito presente e com muito peso na Holanda, e no Ajax. O que nos leva a Dani.

O português chegou ao Ajax em 1996, dois anos depois de se ter estreado pelo Sporting, com 17 anos, e a seguir a uma passagem breve pelo West Ham. No início não tinha um número de camisola com particular significado. Até que Cruijjf entrou em campo.

«Nos primeiros tempos era o 21, nem escolhi, deram-me o número na Liga dos Campeões. Depois o Cruijff comentou na televisão alguns jogos nossos e disse que eu fazia lembrá-lo. Falou várias vezes nisso. Começaram a fazer-se comparações entre a minha forma de jogar e a dele e o Ajax propôs-me passar a usar o 14», conta Dani ao Maisfutebol.



Para o clube era ouro sobre azul. Dani: «Também foi uma jogada de marketing. A minha imagem já vendia, depois de a associarem ao número do Cruijjf ainda mais.»
 

Perante a dimensão de um mito como Cruijff, Dani começa por dizer que a comparação «é um bocado de mais». Mas procura identificar as semelhanças a que Cruijff se referia nos comentários televisivos: «Talvez por ser alto, magrinho, elegante a jogar. Pela capacidade de finalizar de várias formas. Tínhamos mais ou menos a mesma forma de jogar. Sempre com a bola nos pés, a aparecer de trás, a construir mas também a finalizar.»

Mas também vê uma explicação mais «política» nos elogios de Cruijff. O primeiro treinador de Dani no Ajax era Louis Van Gaal. Velho conhecido e velha inimizade de Johan. E no início Van Gaal estava relutante em apostar no jovem reforço português. «O Van Gaal dizia que eu ainda precisava de me adaptar ao sistema do Ajax e o Cruijff contrariava-o. Dizia ‘Não, não, com o talento que tem ele tem é de jogar. Dizia que eu tinha cultura tática e tinha que jogar. Eu estava ali no meio.»

A rivalidade de Cruijff e Van Gaal vem de longe, desde o tempo em que ambos eram jogadores. Chegaram a ser companheiros de equipa no Ajax, depois foram rivais. Cruijff, a estrela, Van Gaal um médio que jogou oito anos no Sparta Roterdão, antes de acabar no AZ Alkmaar. «Eles têm uma longa história», recorda Dani.

Desta história sobrou o 14 para Dani. Foi o seu número durante as quatro épocas que passou em Amesterdão, onde chegou a uma meia-final da Liga dos Campeões, em 1997, e onde ganhou um campeonato holandês. Seguiu-se uma passagem pelo Benfica e o At. Madrid, onde terminou a carreira.

Os melhores momentos de Dani no Ajax, num vídeo do clube holandês



«Sempre que pude voltei a usar o 14. Passou a ser o meu número. Para mim fazia todo o sentido.» Por causa de Cruijff, claro. «Se ele diz que sim, que éramos parecidos, quem sou eu para desmentir?», sorri.

Mas não é só Cruijff. Dani tem outro nome e outro 14 como referência: Thierry Henry. «É outro jogador que sempre acompanhei bastante e sempre usou o 14. Temos a mesma idade e fizemos carreiras paralelas. Trocámos muitas vezes de camisola», recorda Dani.

Henry foi o 14 no Arsenal e quem ficou com o número quando o francês saiu foi Theo Walcott, que o usa até hoje. E não abdicou dele, aliás, quando Henry regressou por dois meses a Londres, em 2012, numa pausa do campeonato norte-americano. O avançado gaulês teve de contentar-se com o 12.

Nos New York Red Bulls, onde joga agora, Henry continua a usar o 14. É um dos poucos jogadores de renome que fez deste o seu número de eleição. Mas, procurando bem, há no futebol internacional de topo mais alguns jogadores de relevo que têm o 14 nas costas. Walcott, sim, mas também Xabi Alonso, no Real Madrid, ou Javier Hernández, no Manchester United. O que fez por sinal de Chicharito protagonista da imagem que os «red devils» usaram para saudar o novo ano.



Um olhar pelos plantéis da Liga portuguesa mostra de resto um uso bem indiferenciado do 14. Há cinco clubes que nem o têm atribuído, entre os quais o FC Porto – o último a usá-lo foi Rolando. No Benfica é o número de Maxi Pereira. E no Sporting é de William Carvalho, a mais recente revelação do futebol português.