Caro leitor, começamos por fazer-lhe duas perguntas.

Sabe o que é o bandy? Para quem não sabe, explicamos que é um desporto parente do hóquei no gelo, com origens na Rússia do século XVI. É jogado também sobre patins, mas num campo (preferencialmente ao ar livre) do tamanho de um relvado de futebol e disputado por duas equipas de 11 jogadores. Em vez de um disco há uma bola cor de rosa e o stique acaba numa curva, à semelhança do de hóquei em patins.

Então, que países associa à prática do bandy? Muito acertadamente, países onde o inverno é muito frio e sinónimo de temperaturas muito baixas e as águas gelam. Dito de outra forma, também, países onde os desportos de inverno são desportos nacionais, como acontece na Escandinávia ou nas antigas repúblicas soviéticas.

Ora, no próximo mês de janeiro, a Somália prepara-se para ser a primeira seleção africana a participar num Campeonato do Mundo de bandy. O fenómeno cada vez mais famoso nasceu na Suécia, na localidade de Borlänge. E, daí, ganhou dimensão mundial de várias formas – a primeira foi a presença no Mundial da modalidade, daqui a pouco mais de um mês, em Irkutsk, na russa Sibéria.

O Somalia Bandy 2014 é um projeto criado no início deste ano pelo empresário local Patrik Anderssson que teve como propósito inicial a integração na população local de 50 mil habitantes da comunidade de três mil refugiados somalis. Andersson estabeleceu os contactos com o governo e comité olímpico somali e inscreveu a seleção africana na Federação Internacional de Bandy.

«A Somália nunca teve uma equipa num campeonato do mundo, em qualquer desporto», frisou Andersson à agência Reuters. Em janeiro vai estrear-se pois passou a ter uma seleção nacional de bandy (sedeada em Borlänge). O empresário desta cidade industrial a 200 quilómetros de Estocolmo pretendeu desta forma estabelecer «plataformas de comunicação» entre os suecos e os imigrantes na região, numa iniciativa que é vista também como uma futura forma de compensar o envelhecimento da população local.



Os agora novos jogadores da seleção somali de bandy foram recrutados numa equipa de futebol da cidade. Para treiná-los, foi escolhido Per Fosshaug, antiga estrela da modalidade na Suécia, que ganhou cinco medalhas de ouro com a equipa nacional escandinava entre 1993 e 2005. «Ganhei cinco medalhas de ouro em campeonatos do mundo e tenho vindo a treinar equipas de alto rendimento, mas nunca treinei jogadores que não sabem patinar», diz em forma de epígrafe no site oficial do Somalia Bandy 2014.

O demorado processo de nascimento da seleção da Somália de bandy começou mesmo por ensinar os jogadores a patinar; e, primeiro, com patins de rodas. Depois, passou-se para o gelo e, de passo em passo, foi-se formando a equipa. «O futebol é mais fácil. Toda a gente consegue jogar futebol, mas patinar no gelo... claro que se aprende, mas é preciso tempo e paciência», admitiu Ahmed Hussein, de 18 anos, na reportagem da AFP.

Já neste mês, a seleção que já se intitula campeã africana de 2013 – por ser a única do continente – disputou um jogo de treino com o Borlänge, o clube local com tradição na modalidade, que se associou no apoio – assim como a autarquia apoia o projeto financeiramente. Dois meses ainda antes do jogo, Najib Farha, de 16 anos, dizia ao «The Wall Street Journal» sobre o Mundial: «Provavelmente vamos perder 100-0». O resultado entre o Borlänge e a seleção da Somália de há uma semana foi de 15-0 para os suecos. Mas o guarda-redes somali não deixou de ser considerado o melhor em campo, segundo relatou a Reuters. No jogo, voltaram a estar vários meios de comunicação social de dimensão internacional a acompanhar o crescimento desta nova equipa que já sabe que vai encontrar no Campeonato do Mundo a Alemanha, o Japão e a Ucrânia no grupo B – o nível inferior ao de elite (o A) onde estão as grandes potências como a Suécia ou a Rússia.



O fenómeno Somalia Bandy 2014 num Campeonato do Mundo de desportos de inverno não fugiu obviamente à comparação com a estreia da seleção da Jamaica nos jogos Olímpicos de Inverno em 1988, em Calgary, no Canadá, participando no bobsleigh. A primeira equipa nacional da Jamaica de bobsleigh acabou por não terminar a prova, mas o estatuto de fenómeno inusitado que ganhou a simpatia de todos foi o que mais prevaleceu, como demonstrou o final da sua prestação a cruzarem a meta a pé depois de um despiste.


E como demonstrou a realização do filme «Jamaica abaixo de zero» (no original «Cool Runnings»), feito em 1993, entre a repetição das presenças do país caribenho nos Jogos de Inverno de 1992 e 1994. A seleção da Somália de bandy está a ser recebida com o mesmo espírito e também um documentário de longa duração está já a ser preparado na Suécia para ser estreado em junho.