«Tem lugar a aplicação do processo sumaríssimo quando com recurso à reprodução de imagem

televisiva e às declarações escritas da equipa de arbitragem se verifique que a equipa de

arbitragem não sancionou conduta que constitua risco grave para a integridade física dos

agentes ou grave atentado à ética desportiva exigida aos intervenientes no jogo, desde que se

demonstre que a equipa de arbitragem não tenha observado e avaliado essa conduta e desde que a sanção aplicável não determine a suspensão da actividade por período superior a um

mês».


Este é o artigo 263º do Regulamento Disciplinar da Liga. Se começo um texto por o incomodar com isto é porque acho que sim, que isto deve incomodar-nos.

Estamos a um mês de começar o campeonato e agora é evidente que 15 jogos serão transmitidos pela televisão de um clube. Esta é uma situação nova, em Portugal e num mundo civilizado do futebol. Esperava que a Liga, a Federação, os árbitros e os treinadores tivessem uma opinião sobre isto. Aparentemente não têm.

Até agora, este regulamento tinha duas perversões, a meu ver graves: nem todos os jogos passavam na televisão e nem todos os lances passíveis de punição passavam na televisão. Tudo somado, sempre se acho que era melhor apanhar alguns do que deixar escapar todos. É discutível, mas assim andamos há anos.

A partir de agora, continuaremos a ter jogos que não passam na televisão. E continuaremos a ter lances que não passam na televisão. Pergunta: teremos também lances que não passam na televisão porque são potencialmente prejudiciais ao clube que assegura a transmissão?

Para os leitores de indignação fácil, aconselho a releitura da frase anterior. Sim, é uma pergunta. Não estou a afirmar que será assim. Simplesmente não sei. E não sei porque ainda não ouvi nenhum responsável da Benfica TV falar sobre o assunto, garantir equilíbrio e distância. Como eu não ouvi, admito que os responsáveis do futebol português também não tenham ouvido.

Vamos imaginar este exemplo. Num canto, um jogador do Benfica cospe de forma ostensiva num adversário. O árbitro não vê, os auxiliares não vêem, o quarto árbitro não vê. Se o Benfica estiver a jogar fora e as câmaras tiverem captado o momento, ele será emitido. E levará a um sumaríssimo. Se acontecer em casa, a Benfica TV passá-lo-á? O leitor não sei, mas eu gostava de ter resposta a isto. Não estou a colocar em causa a integridade de quem assegurará as transmissões, o relato, os comentários ou a reportagem. O que existia até agora era mau, muito mau. A mais rasteira interpretação do que é ser de um clube, sem sombra de grandeza. Tudo se passava numa esquina pouco frequentada, era relativamente indolor, quase folclórico. Agora a responsabilidade aumenta.

Como o prazo para mudar os regulamentos passou, em 2013/14 este regulamento manter-se-á. Pergunta: acreditamos nós que ele será aplicado a partir de todo o material disponível? Todo, mesmo? Que garantias de equilíbrio pode dar o Benfica?

Já não falo nas grandes penalidades, nas faltas, nos foras-de-jogo. Também isso mereceria uma exposição dos responsáveis da Benfica TV. A questão que levantei é mais profunda e poderá ter influência na verdade desportiva. E isso, como sabemos, não pode ser deixado nas mãos dos clubes. Nunca foi a sua prioridade, de resto.

Lamento que mais uma vez as pessoas do futebol português sejam incapazes de discutir em tempo útil as questões que podem afetar o produto que têm à venda.