7 de Abril. Cumprem-se esta quarta-feira dez anos que Barbosa parou de cumprir a pena perpétua a que foi condenado pela justiça popular. O mais detestado dos guarda-redes brasileiros foi castigado sem julgamento e destinado a uma vida marginal, longe da vista e escondido da memória que o Brasil não queria ter.

A memória que o Brasil não queria ter é a final do Mundial de 1950. «A nossa Hiroshima», como exagerou Nélson Rodrigues. «A maior derrota de sempre», disse Valdano. «O Maracanazo», troçou o mundo, perante o desespero de um Maracanã com 200 mil espectadores prontos a festejar o primeiro título brasileiro.

200 mil espectadores que caíram num silêncio sepulcral quando Ghiggia fez o segundo golo do Uruguai (2-1) e roubou a vitória ao Brasil. «Quando acabou o jogo, olhámos para as tribunas e só víamos gente a chorar», conta o herói uruguaio ao Maisfutebol. «Foi um jogo que marcou para sempre o destino do Brasil.»

Ghiggia, um herói uruguaio

Alcides Ghiggia tornou-se então o maior herói desportivo do Uruguai. Hoje, com 84 anos, afastou-se do mundo e do futebol. Vive em La Paz, uma cidade a meia centena de quilómetros de Montevideu. É o último sobrevivente da final de 1950. Atendeu rapidamente o telefonema do Maisfutebol e foi simpático.

«O futebol são onze contra onze», repete. O chavão é muito bem capaz de ter nascido naquele dia 16 de Julho de 1950. «Ninguém ganha sem jogar, mas o Brasil pensava que já tinha ganho. Nós conhecíamos bem os pontos fortes e fracos deles, sabíamos o que tínhamos de fazer e estávamos concentrados.»

Fizeram-no tão bem que conseguiram o mais improvável: vencer o Brasil que nos jogos anteriores tinha goleado a Suécia (7-1) e a Espanha (6-1). «Para eles foi uma desilusão. Até para Jules Rimet, que só trazia discurso pronto para a vitória do Brasil. Ficou lá um bocado atrapalhado. Para nós foi a maior vitória da história.»

Barbosa, um vilão brasileiro

A vitória uruguaia criou uma vítima eterna: Moacir Barbosa. O guarda-redes brasileiro foi culpado pelo golo de Ghiggia e nunca mais teve paz, perseguido por aquele instante durante 50 anos. «No Brasil a pena maior por um crime são 30 anos. Eu pago há 43 por um crime que não cometi», disse anos antes da sua morte.

Nunca mais voltou à selecção e foi até impedido de entrar na concentração da equipa brasileira para o Mundial 94, para não atrair o azar. Pelo meio foi presenteado com a trave da baliza dos dois golos uruguaios, para não esquecer aquela tarde. «O Brasil é fanático. Tinha de culpar alguém e culpou o Barbosa.»

Ghiggia absolve o adversário. «Era uma jogada que fazia muitas vezes. Entrava pela direita, ameaçava que ia fazer um cruzamento de morte e rematava. O Barbosa abriu um buraco e meti lá a bola. As pessoas não se lembram que no jogo antes, com a Espanha, tinha feito um golo igual, e ninguém culpou o guarda-redes.»

Barbosa faleceu há dez anos. Na cidade de Santos, onde dizem que vivia como recluso com uma filha adoptiva. «Mais tarde encontrei-me com o Barbosa no Rio de Janeiro. Disse-me que lhe tinha feito a vida impossível. Expliquei-lhe que a culpa não era minha nem dele, era do Brasil, que não percebe que é só futebol.»

Recorde a história do Maracanazo: