Tem duas opções antes de ler este texto:
1 - Ignorá-lo por completo, porque odeia Lance Armstrong e tudo o que ele representa;
2 - Ler até ao fim para perceber se vale a pena ver o documentário que estreia na próxima semana nas salas de cinema portuguesas.


Se continua por aí, vale a pena dizer que «A mentira de Armstrong» é escrito e realizado pelo oscarizado Alex Gibney. Trata-se de um retrato do ciclista, da personalidade mundial, mas também do que representa a Volta a França e como a sede do sucesso pode resultar em corrupção. Assim acontece no mundo dos negócios, mas também no desporto, com os resultados que todos conseguimos antecipar.

O ponto de partida para este filme é o regresso de Lance Armstrong à Volta à França em 2009, quatro anos depois de se ter retirado com sete títulos consecutivos. Porque é que ele regressou? Gibney aproveitou a oportunidade e sugeriu ao staff do ciclista acompanhar toda a preparação tendo em vista o regresso ao Tour, para além de poder entrevistar Lance após as etapas em França. Com acesso garantido, viu falhado o projeto de filmar o regresso triunfal de um campeão, passando a deter um documento único que acentua as contradições daquele homem absolutamente imperfeito, um ídolo com pés de barro.

Armstrong mentiu sempre, durante tantos anos. Antes de lhe ter sido detetado um cancro nos testículos, foi campeão do mundo, venceu muitas provas, mas nunca teve sucesso na Volta à França. Em 1999 regressou em força e conquistaria o seu primeiro Tour. Era a historia ideal, o sonho americano concretizado, uma lição de superação, um exemplo para o mundo. Tudo o resto é conhecido, até que este ano reconhece a mentira, numa sessão de confissão na televisão a Oprah Winfrey.

O documentário apresenta todas as contradições, todas as mentiras e vitórias com absoluto rigor. O realizador reconhece, a certo ponto, que Armstrong lhe mentiu repetidas vezes e por isso solicitou uma última entrevista (em maio deste ano), para que o ciclista dissesse finalmente a verdade. Lance admitiu a mentira, repetiu que se tinha dopado sempre e que isso tinha acontecido num contexto em que todos recorriam às mesmas armas. Mas com uma reserva: tinha corrido limpo em 2009, o ano em que ficou em terceiro lugar, perdendo para Alberto Contador. Também isso é colocado em dúvida ao longo do filme, como uma espécie de derradeira mentira e prova de que Armstrong ainda não está pronto para admitir toda a verdade.



O trailer tem o mérito de captar uma das frases mais marcantes do documentário: «Este é um filme sobre a luta pelo poder». Uma luta que envolve muitas outras pessoas para além de Lance, como o seu diretor desportivo Johan Bruyneel, o polémico médico Michele Ferrari (o verdadeiro arquiteto do esquema de doping), os seus ex-colegas George Hincapie, Floyd Landis, Frankie Andreu e Jonathan Vaughters, as perguntas inconvenientes do jornalista David Walsh ou a complacência de Hein Verbruggen, o ex-presidente da União Ciclística Internacional.

Hincapie é dos mais sinceros. Ex-colega de Armstrong, foi dos primeiros a ser apanhado nas malhas do doping. Admitiu tudo e também ele deixou a interrogação: «Porque é que ele regressou? O ciclismo não é um desporto glamouroso. Ele tinha tudo e voltou para sofrer connosco. Acabou por perder tudo».

Para trás ficam muitos milhões de dólares angariados para a luta contra o cancro, através da fundação Livestrong, mas nada disso importa a partir do momento em que toda a história estava baseada na mentira. De nada serviu a Amstrong ser o atleta mais testado de sempre, de ter conseguido encontrar um esquema para enganar as autoridades. No final, a soberba, a sensação de impunidade, traiu-o. Lance foi banido de todas as competições e depara-se com processos que podem retirar-lhe a fortuna acumulada ao longo dos anos. Aquele regresso em 2009 foi o início do fim e o filme capta essa ideia na perfeição. Vale a pena ver.

Filme: «A Mentira de Armstrong»
Realizador: Alex Gibney
Duração: 122 minutos
Distibuidora: Columbia TriStar Warner
Estreia: 14 de novembro
Classificação: ****