Rogers Road, Toronto. No n.º 533 uma pequena multidão grita pelo Benfica. Três portas acima, com um cabeleireiro pelo meio, contingente semelhante clama pelo FC Porto.

Sábado, quando a bola começar a rolar no Estádio da Luz para o grande Clássico do título; pelas 15h30, hora da costa leste do Canadá, a quase seis mil quilómetros de distância de Lisboa, o cenário será próximo do que acima descrevemos: na terra onde o hóquei no gelo é rei, é o futebol que faz ferver o sangue luso de gente que estará a torcer por Benfica e FC Porto, quase lado a lado, nas casas dos dois clubes.

Rivais e vizinhos. Não deixa de ser inusitado. Na maior cidade canadiana, numa gigantesca metrópole com quase seis milhões de habitantes, qual é a probabilidade de encontrar as delegações de dois grandes clubes portugueses separadas por 20 metros e três portas?

«Eles é que vieram atrás de nós. Estamos cá há oito anos. Eles mudaram-se para cá há dois», começa por revelar ao Maisfutebol Cesário Brás, presidente da casa do FC Porto, nortenho de Vieira do Minho que emigrou há 45 anos, que esclarece: «Aqui à volta é praticamente tudo português.»

As casas do Benfica e do FC Porto, vizinhas na Rogers Road, em Toronto

«Aqui à volta», entenda-se, é a zona de York, cuja principal artéria é a Rogers Road, que entre os anos 20 e os anos 70 teve uma linha de elétrico a ligar a zona ao centro da cidade. É nesta zona que fica uma espécie de Little Portugal canadiano, num país com quase meio milhão de lusodescendentes – embora apenas um quinto sejam emigrantes nascidos em território português.

Escola do Benfica, claque do FC Porto

Mário Mirassol é presidente da Casa n.º 6 do Benfica, a primeira fora de Portugal, fundada há quase meio século, em 1969, ainda nos tempos em que Eusébio brilhava de águia ao peito.

Atualmente, esta é a única delegação dos encarnados a gerir uma escola de futebol ligada ao clube. A Benfica Soccer School é desde janeiro uma escola oficial.

As casas dos rivais, em Toronto, separadas por três portas

«Assinámos o protocolo recentemente, mas já funcionamos há mais de um ano sob a orientação de um treinador vindo do centro de estágios do Seixal para coordenar o projeto, que tem mais de 200 miúdos», explica Mário, recordando casos de jogadores canadianos que representaram as águias, como Fernando Aguiar ou Steven Vitória: «Se tivéssemos um miúdo daqui da School a rumar ao Benfica seria um orgulho ainda maior. Trabalhamos para isso.»

O FC Porto of Toronto surgiu em 1987, ano em que os dragões se sagraram campeões europeus. Neste momento, esta delegação não tem uma equipa de futebol. Há sim uma claque: «Temos os Super Dragões de Toronto. Não vão ao estádio? Pois, não é fácil. Mas apoiam aqui de longe», explica Cesário.

Sábado, os rivais vão estar em lados opostos na vizinhança, mas em clima de festa.

Tal como aconteceu no Clássico da primeira volta, que até motivou uma reportagem televisiva da RTP Internacional.

Cesário e Mário: rivais e amigos

«A que horas é o jogo? 20h30 daí… Portanto, 15h30 de cá. É uma boa hora para reunir toda a gente. Juntamo-nos ao início da tarde: temos comida, cerveja e café português. Vai ser uma festa! Quando há jogo grande é assim. Vai haver, claro, umas bocas, uns cânticos, mas não passa disso», conta Cesário. Mário Mirassol completa:

«Vamos encher com umas 150 ou 200 pessoas as duas salas que temos. Há uns gritos e uns cânticos de uma casa para a outra, isso ninguém pode evitar, agora, ir à porta do vizinho insultar e provocar é que não, ganhe quem ganhar. Eu ponho-me de um lado, o Cesário do outro e não deixamos que as coisas passem dos limites.»

Mário, emigrado há 34 anos e natural da Gafanha da Boa Hora, em Vagos (distrito de Aveiro), trabalha em canalizações; Cesário tem uma empresa de construção civil, especializada na edificação de telhados, além de um restaurante. Apesar de rivais e vizinhos, ambos são amigos – «amicíssimos», corrigem – e, por vezes, até trabalham juntos.

Cesário Brás, presidente da Casa do FC Porto

«O Mário faz trabalhos de canalização para mim e eu faço telhados em obras dele. Aliás, ele até ajudou a remodelar aqui a Casa do FC Porto quando mudámos para cá. E até já jogou na nossa equipa de velhas guardas. Às vezes, na brincadeira, lembro-o disso: “Eu é que errei…” E ele: “Mas porquê?” “Porque não te deixei ser portista quando querias…”»

Cesário tem expetativas em Brahimi e numa vitória por 2-1 do FC Porto na Luz. Mário espera um resultado bem diferente e até deixa já uma promessa relacionada com o Clássico: «Já tenho tudo planeado. Se o jogo nos correr bem no sábado, na segunda-feira reservo uma passagem de avião para Portugal para em maio ver ao vivo os dois últimos jogos do Benfica no campeonato.»

Ambos vêm regularmente a Portugal com a família; visitam as terras e sempre que podem assistem aos jogos do clube do coração, no Dragão ou na Luz. Não pensam, porém, em voltar de vez. «Os meus filhos gostam de Portugal, mas quem vive num país como o Canadá há tanto tempo e tem cá toda a família não pensa em voltar», confessa Cesário. Mário acrescenta: «Voltar? Não. Já cá temos os netos.»

Mário Mirassol, presidente da Casa do Benfica

Longe, no Canadá, o vínculo mais forte com a pátria mantém-se sobretudo através do futebol. Entre ambos, a ligação é sobretudo de amizade.

«Apesar de sermos do Benfica ou do FC Porto, acho que aqui não existe tanta rivalidade, talvez pela distância e por sermos todos portugueses. Há mais civismo entre nós aqui, apesar de vizinhos e rivais, do que aquele que vemos entre adeptos em Portugal», explica Mário. Cesário resume, em jeito de conclusão: «No final do Clássico, espero ir para o passeio festejar. Temos um passei bem largo para isso. Mas depois de trocar umas piadas vou ter com o meu amigo Mário e abraçamo-nos.»