«É preciso escolher entre ser um peixe grande numa lagoa pequena ou um peixe pequeno numa lagoa grande»

Poucas carreiras ilustram melhor esta expressão norte-americana do que a de Ricardo Quaresma. No currículo, as passagens pelo Barcelona, Chelsea e Inter, dão a medida justa de um talento para o qual o céu era o limite. Mas, na folha dos detalhes, os escassos 21 jogos a titular e dois golos, ao longo de três temporadas repartidas nas principais Ligas da Europa, ilustram o fenómeno que o fazia encolher-se, sempre que percebeu não ser o maior peixe no lago onde nadava.

Foi apenas (“apenas” ou “já”?) há ano e meio que Quaresma integrou os convocados para o Europeu 2012, onde não chegou a jogar um minuto. Mas o tempo é elástico, e ainda o é mais perante a memória dos grandes talentos. Parece incomparavelmente maior do que essa, a distância que nos separa do dias em que era uma evidência designá-lo como o extremo português com mais habilidade natural desde Chalana – e sim, incluo nesta frase Futre, Figo, Sérgio Conceição, Simão e até Cristiano Ronaldo, quando este era um extremo.

Talvez porque tenham sabido adaptar o talento às várias lagoas que encontraram, todos os nomes referidos tiveram uma carreira internacional – nos clubes e na seleção - muito mais relevante do que a do jovem a quem um dia Bölöni chamou «Mustang».  Foi em 2001, dois anos antes de o presidente do Barcelona, Joan Laporta, lhe atribuir capa, vassoura e varinha mágica e o transformar em «Harry Potter» à chegada a Camp Nou. Esse foi um lago grande de mais, cedo de mais - que o fez dar um passo atrás na projeção internacional, e dois em frente na afirmação como craque. 

No ano seguinte, o regresso à Liga portuguesa, uma lagoa incomparavelmente mais pequena, onde Quaresma e o FC Porto faziam figura de predadores supremos, permitiu ver, em todo o esplendor, o cumprimento integral das promessas adivinhadas em Alvalade. Depois de uma primeira temporada difícil, ainda com dores de crescimento, os anos seguintes voltaram a despertar-lhe (e a nós com ele) a convicção de que tinha a obrigação de ser feliz em outras águas.

Depois, o que se sabe. Entre Inter e Chelsea, pouco mais de 30 jogos, menos de metade dos quais como titular. A cada nova aparição, a indisfarçável tristeza em campo, a chapinhar num lago que não era seu. Desde que saiu do estádio do Dragão, há cinco anos e meio, terá disputado cerca de 110 jogos oficiais, dos quais 70 concentrados em duas temporadas no Besiktas, um lago à sua medida, antes de passar a ser considerado um luxo demasiado caro. 

A partir daí, Quaresma passou a agir como tal. Tornou-se um artigo de luxo e pendurou de vez a ambição desportiva, tornando-se um malabarista em shows semiprivados, um Globetrotter no sentido estrito e basquetebolístico da palavra. Ao longo dos últimos 19 meses, entre maio de 2012 e janeiro de 2014, Ricardo Quaresma terá cumprido, em dez jogos pelo Al-Ahli, cerca de 700 minutos em competições oficiais – leia-se, na Liga dos Emirados Árabes Unidos.

Por tudo isto se, contrariando todas as evidências e o bom senso, no regresso a Portugal, e ao lago onde foi mais feliz, Quaresma conseguisse voltar a nadar como antes, estaríamos perante algo além do maior renascer de carreira de que o futebol português guarda memória. Essa seria, sim, a prova definitiva, com quase 11 anos de atraso, de que Harry Potter existe mesmo em carne e osso, faz magia ao fim de semana e gosta de trivelas.