Jock Stein, o mítico treinador escocês, que morreu em campo fez agora 30 anos, resumia a uma frase simples os segredos de gestão de um balneário ao longo da temporada: « Faz com que os seis jogadores que te odeiam fiquem longe dos cinco que ainda não têm a certeza».

Por detrás do aparente cinismo da fórmula, o observador atento nota os vestígios de um passado ingénuo, que não volta mais, com a soma das partes a não ir além do onze. Afinal, Stein, o primeiro técnico britânico a erguer a Taça dos Campeões, vinha de um tempo pré-substituições, em que uma equipa se resumia a um onze titular, a que se juntavam três ou quatro reforços, só chamados à boca de cena por lesão dos intocáveis. E, note-se, o conceito de lesão era bastante fluido nesse tempo: tudo o que ficasse abaixo de dupla fratura exposta era geralmente resolvido com a vítima a acabar o jogo como improvisado ponta esquerda.

Hoje, como se sabe, as coisas são mais complicadas. Há uma evolução sensível na medicina desportiva, que agora tem bem menos semelhanças com a praticada nos hospitais de campanha em tempos de guerra. Os seis jogadores que odiavam o técnico nos tempos de Stein são agora, mais provavelmente, uns 16. E os que ainda não têm a certeza superam facilmente a dezena – o que torna quase impossível manter a separação entre uns e outros. Juntando a isto, boa parte deles conta agora com agentes, fundos de investimento e gestores de comunicação por detrás, para ampliar o ruído e minar os alicerces de quem escolhe o onze todas as semanas.

Ao contrário de quase todas as outras modalidades coletivas, a escolha de uma equipa inicial vincula o treinador perante os seus adeptos, e o próprio grupo de jogadores, de uma forma quase definitiva – a sua margem para ajustar a equipa às necessidades criadas pelo jogo e o adversário é substancialmente inferior às dos seus homólogos do andebol, basquete, vólei ou futsal. E mais ainda quando o momento em causa implica retificar uma ideia falhada.

A verdade, também, é que a médio prazo não há maneira de evitar a derrota pessoal: mesmo num cenário positivo, o impacto das substituições e dos bons suplentes acaba por deixar os treinadores perante dilemas que os homens da velha guarda, nunca tiveram de enfrentar. Se um bom suplente ajuda a ganhar o jogo uma vez isso ainda pode ser atribuído ao mérito do treinador na gestão dos momentos da partida ou da época - é, por exemplo, o que pode concluir-se da opção de Luis Enrique neste sábado, deixando Messi no banco do Barcelona para resolver o clássico do Calderón em doses homeopáticas de talento. Mas se o fizer três ou quatro vezes seguidas (no caso de Messi, ai dele que se atreva!), o mérito transforma-se em teimosia e cegueira. Porque, aí a intervenção do treinador transforma-se apenas na correção de um erro de casting – como se o jogo não pudesse ter momentos e ritmos diferentes de intervenção, a pedir atores distintos.

É essa a quadratura do círculo por detrás de discussões como as relativas ao papel de Quaresma, sempre que sai do banco para ajudar a Seleção Nacional a ganhar jogos. É um cenário recorrente na era Fernando Santos e que acaba, nesse como em outros casos, com a inevitável pergunta «se resolve tantas vezes por que raio não é ele titular?». A verdade é que qualquer treinador gosta de ter suplentes assim, mas são raríssimos os jogadores capazes de manter esse estatuto de joker de luxo, sem que a frustração pela não titularidade acabe por condicionar-lhe o rendimento e a situação no grupo.

E, neste domingo, ao ouvir Jorge Jesus admitir que, por uma vez, uma opção sua - a entrada de João Mário na segunda parte do jogo com o Rio Ave - não resultou como esperava, rendi-me à evidência. Quando até um poço de certezas, como Jorge Jesus, reconhece que o jogo das substituições e das rotações pode ter efeitos imprevistos, por momentos julgo ouvir uma gargalhada de Jock Stein, vinda do além-túmulo. No tempo dele, sem Quaresmas, nem Messis no banco, nem substituições de efeitos inesperados, o futebol dividia-se entre os que odiavam o treinador e os que ainda não tinham a certeza. E era tudo tão mais simples...