Esta crónica foi publicada originalmente a 8 de julho de 2006, dia em que Portugal perdeu com a Alemanha:

Não foi possível prolongar a festa e repetir a História. Ao perder por 3-1 com uma Alemanha eufórica e levada aos ombros por 50 mil adeptos delirantes, a selecção portuguesa despede-se do Mundial com o quarto lugar e uma sensação de tarefa incompleta. Mas foi impossível conseguir mais, com tantas mágoas em aberto depois da derrota com a França, menos de 72 horas antes.

Já se sabe como são complicadas, mesmo cruéis, as finais de consolação. Mais ainda quando, ao fim de mês e meio de trabalho, a cabeça já não permite disfarçar as queixas do corpo. Com um dia a menos de repouso que o seu adversário, o que nestas é muito pesado, Portugal pagou o preço da falta de pernas ao longo de um segundo tempo sofrido.

Diga-se já: apesar de ter sofrido a sua derrota mais expressiva na era-Scolari, e de ter apresentado uma defesa remodelada à força, a Selecção não jogou mal. Dadas as circunstâncias, teve até alguns momentos vibrantes, em especial durante uma primeira parte em que pôde congelar o vulcão de entusiasmo em que se transformara o estádio Gottlieb-Daimler, sedento de consagrar a equipa que reconciliou o país com o futebol e, mais ainda, de homenagear Jürgen Klinsmann, filho dilecto da cidade.

Após dez minutos em que a pressão intensa das camisolas brancas foi sendo atenuada pelo tricotar de passes a meio-campo, com Maniche e Deco no comando, a primeira grande oportunidade do jogo foi para Portugal, quando Simão inventou espaço para a diagonal de Pauleta. Uma vez mais, a finalização do ponta-de-lança deixou a desejar e permitiu a outro dos homenageados da noite, o histórico Oliver Kahn, o primeiro momento de brilho.

Portugal mandava, nessa altura, mas surgiam os primeiros sinais de que, com tanto desgaste era impossível manter a estrutura coesa e a proximidade de sectores tão características de toda a campanha. Duas equipas cansadas, com os alemães um pouco menos, iam assinando um jogo animado de toca-e-foge, com a passagem dos minutos a cavar espaços entre defesas e ataques.

Só um grande Ricardo impediu, por duas vezes (20 e 24 m), que a Alemanha abrisse o marcador, e o decorrer do jogo ia mostrando que, mesmo com mais posse de bola, Portugal ia sentindo mais dificuldades para colocar em perigo a baliza alemã, apesar de uma boa reacção no final da primeira parte.

Estava tudo em aberto quando o jogo recomeçou. Mas a entrada de Petit, precaução lógica pelo facto de Costinha já ter um amarelo e estar submetido a desgaste redobrado pela progressivo afastamento entre os sectores, não contribuiu para reforçar um meio-campo que, aos poucos, e apesar dos esforços de um grande Deco, ia perdendo consistência como areia a fugir dos dedos.

Já depois de Pauleta ter desperdiçado nova oportunidade, Schweinsteiger deu a decisiva machadada no jogo com um remate cuja trajectória flutuante enganou Ricardo. Estugarda explodiu e a partir daí percebeu-se que a tarefa de uma selecção portuguesa em crescente défice físico era praticamente impossível.

A crueldade do autogolo de Petit, quatro minutos depois, acabou com as últimas expectativas, mas mesmo assim a Selecção recusou entregar-se. As entradas de Nuno Gomes e Figo melhoraram a presença na área, e já depois de Schweinsteiger ter concluído a sua noite de glória com uma versão melhorada do primeiro golo, Portugal assinou o seu último momento grande nesta campanha. O cruzamento perfeito de Figo e a cabeçada em voo de Nuno Gomes permitiram a todos os que torceram por esta selecção, durante um mês em montanha-russa de emoções, despedir-se do Mundial com uma memória um pouco mais sorridente.

Agora, com ou sem Scolari ao comando, há um Europeu para enfrentar e a renovação profunda de uma equipa que, em Estugarda, terá escrito, como colectivo, a última página de uma epopeia brilhante. Considerando os últimos dois anos, nunca uma selecção portuguesa foi tão forte. E nunca, depois de 1966, uma outra conseguira ficar gravada nas nossas memórias com tanta intensidade.