*entrevista conjunta com a TVI, com o jornalista Flávio Almeida

Vítor Pereira embarcou numa nova aventura na sua carreira e vai comandar o TSV Munique, clube da Segunda Divisão Alemã. Após três países diferentes no estrangeiro chega à Alemanha, embora não para o escalão no qual quer estar.

Oficializado a 18 de dezembro, assumiu o plantel após o virar do ano e como primeira decisão no clube optou por vir estagiar a Portugal, já que a competição na Alemanha está interrompida devido ao rigoroso inverno.

O Maisfutebol foi ter com o treinador a Tróia, assistiu ao treino e conversou com o último campeão ao serviço do FC Porto.

Do treino uma nota a reter:

- Os muitos adeptos que acompanham este clube, que partilha o estádio com o Bayern Munique, e que usam as suas férias para seguir o TSV nos estágios. Estavam ali a poucos metros do relvado, atentos até ao que Vítor Pereira iam explicando. Antes mesmo do treino, que começou às 9h30, o treinador português usou um quadro no relvado para explicar os exercícios aos jogadores e os adeptos lá estavam a espreitar.

O treino durou duas horas e meia e no final os jogadores dirigiram-se aos balneários, enquanto Vítor Pereira ficou à conversa com o acionista maioritário do clube, Hasan Ismaik. Talvez uma discussão sobre reforços.

Depois, tirou muitas fotos com os adeptos, um pequeno discurso de agradecimento e finalmente a conversa com o primeiro treinador português a treinar na Alemanha. Falámos do novo desafio, da atulidade do futebol português e do seu passado no FC Porto e dos objetivos para o futuro.

Uma nova experiência, quarto país no estrangeiro, depois de Arábia Saudita, Grécia e Turquia, agora a Alemanha, embora numa Segunda divisão. O que o levou a aceitar este convite?

Fundamentalmente uma perspetiva de Bundesliga. O clube é muito grande, um histórico, um clube que tem condições, mas que tem que se organizar, Achei que tem condições para num ano e meio estar na Bundesliga e de facto o meu objetivo fundamental é a Bundesliga porque é um campeonato que me atrai. Não é fácil entrar no mercado alemão, aliás, não me lembro de nenhum treinador português na Alemanha porque quem não fala alemão não tem possibilidade de entrar. Eu não falo alemão, mas tive a possibilidade e decidi entre as opções que tinha, apesar de no momento parecer uma decisão descabida em função da minha carreira, e no futuro pode ser um passo importante.

Já que falou da língua. Não falar alemão é um entrave?

É uma falsa questão. É claro que se não se fala nada inglês é mais complicado. Eu raramente uso o tradutor, que é português e fala um alemão corretíssimo. Antes do treino começar explico o treino e ele nem precisa de falar. A linguagem técnica é uma linguagem que se repete, repetimos num dia, no outro, no outro, e todos eles conseguem perceber. Se eu conseguia comunicar na Arábia, na Turquia ou na Grécia, como é que não hei-de comunicar aqui? É uma falsa questão.

Apesar de ser Segunda Divisão, que condições encontrou para trabalhar?

O clube tem potencial para ter as condições todas. Eu vim para ajudar, com a experiência que tive pelos clubes que passei, a ter uma organização de topo que ainda não tem, tem potencial para ter, mas precisámos muito trabalho a esse nível. Não é só focar na equipa, tenho que me focar em aspetos de organização, essencialmente neste momento, porque é um momento de transição em que eu quero as coisas à minha maneira, estou habituado a trabalhar de várias formas e vou ajudar a organizar o clube, segundo o ponto de vista que eu tenho de grandes clubes.

Está num estágio em Portugal e mesmo assim tem aqui várias dezenas de adeptos, que acompanham os treinos de muito perto, a dois ou três metros do relvado. Acarinham o treinador, os jogadores, até o dono do clube que esteve aqui também. Aqui em Portugal é muito diferente. Como está a lidar com isso?

Não são assim tantos que perturbe o estágio (risos). Se o estágio fosse na China iam atrás do clube para a China. Pelo que me disseram poupam dinheiro para os estágios e para acompanhar a equipa, já é natural. Depois gostam desta proximidade, nós não estamos habituados em Portugal, mas é uma proximidade com respeito. Às vezes há um ou outro que começa a dar uns toques na bola e temos de pôr travão (risos). Mas é uma cultura e nós quando chegámos a um país temos que nos adaptar ao país e não chegar e querer impor tudo e regras aqui e acolá. Há regras que têm que ser impostas, mas há outras que... Não tem problema nenhum. Então se eles vêm de propósito a Portugal e não os deixam ver o treino, era uma chatice.

Vítor Pereira com o dono do clube e alguns adeptos do clube que vieram a Tróia. Atrás do português está Pedro Emanuel, que visitou o amigo.

Foi oficializado na parte final de dezembro, mas só pegou na equipa a 1 de janeiro de 2017. Treinou um dia na Alemanha e veio de imediato para Portugal estagiar nesta pausa de inverno. Porque a escolha pelo nosso país?

Optei por Portugal eu. Tive a felicidade de encontrar um centro de treinos novo, que viemos inaugurar, com dois relvados magníficos, com dias magníficos aqui, aproveitar que não está muito calor nem muito frio. Consegue-se trabalhar com qualidade, os campos são do melhor que eu vi, tomara eu ter estes campos para trabalhar lá na Alemanha. As condições na Alemanha são quase impraticáveis, é quase impossível com o frio que está. Decidi por Portugal. Só estive um dia com a equipa e ia viajar imediatamente e por isso preferi um país que conheço, uma organização que eu próprio consigo montar aqui. Estava previsto eles irem para os Emirados e eu pensei: ‘Vou para os Emirados, muito calor, quero intensidade e não conseguimos. Depois não conheço as equipas e mesmo para organizar as coisas à minha maneira não dava’. Foi um estágio muito proveitoso.

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Foi então esta pausa no campeonato muito benéfica para impor as suas ideias...

Seria muito mais difícil se eu não tivesse estas semanas, em onze doze dias já fomos capazes de mudar muita coisa, de colocar um chip novo, uma ideia de jogo nova, já começam a sentir gosto por ter bola, já assimiliaram grande parte das ideias que quero implementar e agora é uma questão de trabalhar, trabalhar, trabalhar e não nos desviarmos daquilo que são as ideias chaves e este tempo serviu exatamente para isso. Se tivesse entrado logo a jogar, provavelmente seria mais difícil.

E encontrou um grupo de jogadores disposto a aprender e a seguir as suas ideias?

Têm sido uns dias de muito trabalho tático, esta é uma liga muito física em que os jogadores correm muito, correm muito, mas do ponto de vista tático... Temos trabalhado os timings, o bater bola para acelerar, para desacelerar, para percerber os momentos de jogo, tem sido quase um curso intensivo para eles, com muita informação, uma mudança radical em termos de ideia de jogo. Nos primeiros dias era muita bola na frente, muita bola longa, muita correria, muitas perdas de bola, não se faziam três passos seguidos. Estou a implementar o tipo de jogo que gosto, mas também sei que vou jogar uma liga muito física, de bola longa, muito direta, muito segundas bolas e jogo aéreo, mas continuo a acreditar no bom futebol. Se tivermos bola a outra equipa não tem, se tivermos qualidade com bola temos mais possibilidade de ter iniciativa e impôr o nosso jogo.

Ivica Olic é a cara sonante deste plantel. Que plantel encontrou no TSV?

Este é um grupo com média de idade um bocadinho alta, portanto tem muitos jogadores experientes. O primeiro passo para impor a nossa ideia de jogo é que eles aceitem a nossa liderança é a competência. Se eles perceberem a competência no pormenor... Há jogadores com 30 anos que estão a apanhar um treinador que diz pela primeira vez os movimentos que devem fazer, coisas simples que parecem pormenores, mas são pormaiores para ter um jogo mais fluído, para ter capacidade de jogar entre linhas, na pressão do adversário, sair da pressão do adversário, ou perceber movimentos circulares, diagonais, receber de forma orientada, abrir o campo para jogar de frente, são pormenores que aos de 33, 35 ou 37 anos eu ainda estou a dizer. Ao Olic ainda estou explicar movimentos de abertura do corpo para ter os apoios em condições de receber e jogar apoiado, atacar a profundidade, atacar o espaço, atacar a baliza adversária.

E um jogador com 37 anos como ele, com participação em Mundiais, Europeus, mais de 100 internacionalizações pela Croácia, títulos na Alemanha, Croácia e Rússia, está disposto a aprender?

Desde que o jogador esteja focado... Ele é assim, apesar da idade não quer ficar atrás dos outros, trabalha até à exaustão, pressiona como um menino de 20 anos. Isto não é uma questão de ter 20 ou 35 anos, é a questão de estar focado e ter mentalidade de: ‘Chegou um treinador novo e vou tentar assimilar para poder em grupo ter ideia comum, uma comunicação comum.’ Treinar é atribuir um cérebro à equipa, temos que ganhar cérebro, um cérebro coletivo, pensar cada momento do jogo, pensar todos. Pensar: ‘Este está a fazer um movimento tenho que fazer isto, este que tem bola sabe que vai aparecer outro movimento e vai ter linha de passe e apoio.’ É um cérebro coletivo que é preciso ir ganhando e é preciso que toda a gente esteja disponível para ouvir, assimiliar e evoluir nessa ideia. O que me apraz registar é que eles querem trabalhar, gente com mentalidade de trabalho, querem evoluir, querem aprender, querem aprender as coisas depressa e estou muito satisfeito com o trabalho.

Este TSV Munique vai ser completamente diferente quando se apresentar a 27 de janeiro frente ao Greuther Furth?

Completamente diferente em termos de ideia de jogo, não há dúvida nenhuma. É engraçado que as melhores equipas, as que estão na frente, são as que tentam jogar. As que procuram jogar futebol apoiado, coletivo, não tão direto são as equipas que estão a comandar a II Liga Alemã.

Vai ter uma equipa à sua imagem, com posse e muito pressionante após perder a bola?

Não tenho dúvidas. Conseguimos na Arábia, como não havemos de conseguir aqui?

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O TSV Munique está na parte baixa da tabela a meia da época (14º lugar). Qual o objetivo para esta época? Aproximar do topo, ganhar moral e preparar o novo ano?

Muito mais que ganhar moral é ganhar bases. Quero chegar ao final da época e ter uma base que depois com três ou quatro jogadores novos tenha a possibilidade de lutar pela Bundesliga. Neste momento vou ter que fazer reajustamentos, estou a analisar os jogadores que tenho, estou a ver que necessidades que temos e aquilo que temos conversado, já há muito tempo, é que precisámos de reforços de qualidade, de meter mais qualidade para jogar a outro nível.

E como é que um treinador bicampeão português, campeão grego não está num nível superior? Houve outras propostas?

Este é um desafio muito grande, de certeza que muitas pessoas não perceberam bem a minha decisão (risos). Um tenho uma tendência muito grande para aceitar desafios. Sinceramente entre o confortável e o de maior risco que pode levar mais longe, assumo o risco. Gosto do desafio, do risco, da exigência, gosto de construir, aqui tenho possibilidade de construir alguma coisa de raiz, nova. Estamos nova posição que nem de longe nem de perto se coaduna com os meus objetivos, não vou para a Segunda Liga Alemã lutar pela manutenção. Este ano já não é possível, porque estamos numa posição que não permite, agora espero melhorar a qualidade do jogo e começar a próxima época com a ideia de jogo mais ou menos implementada, aportando mais qualidade e conhecendo mais a liga também. Tive a possibilidade de ver alguns jogos, mas com o decorrer dos jogos vou de certeza perceber melhor a liga, perceber os pontos a explorar, os pontos a controlar.