Bolas de ténis, berlindes e moedas de chocolate, cadeados nas balizas, carros telecomandados a invadir os relvados, jogos interrompidos, muitos deles mais do que uma vez. Está a acontecer em todos os estádios da Bundesliga e da 2. Bundesliga, uma onda de protesto de adeptos que tem subido de tom nas últimas semanas, contra a decisão da Liga de abrir caminho a investimento externo. Votação foi polémica e adeptos querem repeti-la. Um dos potenciais investidores já desistiu e já há clubes a admitir voltar atrás.

O plano está em cima da mesa há muito tempo. A Liga alemã (DFL) assumiu que procura formas alternativas de financiamento, num cenário em que está a perder terreno para os outros grandes campeonatos na capacidade de exploração comercial e internacionalização. Então, a DFL propôs a criação de uma empresa para explorar os direitos comerciais e audiovisuais dos campeonatos profissionais, da qual cederia uma parte a um fundo de investimento por um período de 20 anos, a troco de um encaixe imediato significativo. Algo que já acontece, por exemplo, em Espanha ou em França.

Perto de um milhão de euros em receitas antecipadas

Seria, argumentam os defensores da medida, uma forma de financiar o futebol alemão sem pôr em causa a regra conhecida por 50+1, que impede investidores privados de deterem uma participação maioritária nos clubes.

A proposta foi desde logo recebida com desconfiança por muitos adeptos. Os protestos nas bancadas vêm desde o final da época passada, quando se aproximava a hora de os clubes tomarem uma decisão sobre o assunto. Essa primeira votação, no final de maio, chumbou a proposta, que precisava de maioria de dois terços para passar.

A DFL fez algumas adaptações ao projeto inicial, passando a prever que a percentagem a ceder seria de oito por cento, contra os 12.5 da proposta original, e estimando um encaixe entre 800 e um milhão de euros. E a 11 de dezembro último o projeto passou. Com voto favorável de 24 clubes, 10 votos contra e duas abstenções, foi aprovada à justa a proposta que mandatava a DFL para negociar potenciais investidores.

Como a regra 50+1 pode ter sido violada

Mas a própria votação é alvo de polémica. E no centro dela está um homem – Martin Kind, CEO do Hannover e responsável pelo voto do clube. A situação do Hannover é complexa, porque há uma estrutura que tutela o futebol profissional, liderada por Kind, mas que tem em teoria de respeitar as indicações do clube, precisamente para não violar a regra 50+1. O clube pretendia votar contra a proposta. Mas ninguém sabe se Kind votou a favor – ele não o diz. Se o fez, esse voto fez toda a diferença, e põe em causa o princípio da prevalência da vontade da maioria do clube. O Hannover já protestou formalmente junto da DFL, mas esta responde que Kind estava mandatado para votar.

Kind tem sido um dos principais visados pelos protestos nas bancadas. No encontro da semana passada entre o Hamburgo e o Hannover, havia um cartaz com um alvo sobre uma imagem do dirigente. Esse foi o jogo cujo início foi atrasado por causa de um cadeado de bicicleta preso a uma baliza. Na bancada, uma faixa dizia que o código para o abrir era 50+1.

Os protestos têm escalado em intensidade e engenho. Neste sábado, no encontro entre o Hansa Rostock e o Hamburgo, dois carros telecomandados com bombas de fumo entraram em campo com o jogo já a decorrer. Algo que já tinha sido ensaiado na véspera no Colónia-Werder Bremen.

«Perigoso», dizem treinadores e jogadores 

Neste domingo, com bolas de ténis a invadirem o relvado, o encontro entre o Bochum e o Bayern Munique teve de ser interrompido por duas vezes, a primeira delas por 14 minutos, com os jogadores a recolherem aos balneários.

A situação está a tornar-se difícil de gerir, desde logo em campo. Treinadores e jogadores têm defendido o direito dos adeptos a protestar, mas também alertam para os riscos e pedem uma resolução célere para o problema.

«Acho que todos queremos uma solução rápida e sensível, quer estejamos no relvado ou fora dele», disse neste sábado Edin Terzic, o treinador do Dortmund, depois de um empate com o Wolfsburgo marcado também por várias interrupções provocadas pelos objetos atirados para o relvado. «Havia muitas bolas. Isto foi em alguns momentos muito perigoso. Podemos dar-nos por satisfeitos por não ter acontecido nada mais grave hoje», observou ainda o técnico.

Emre Can, o capitão do Dortmund, alertou por seu lado para a quebra de ritmo que as paragens implicam para os jogadores. «Sofremos muito com isto. Não é fácil, perdemos o ritmo», afirmou: «A dada altura, já chega. Espero que acabe depressa», disse.

«É preciso incomodar, perturbar e atrair atenção»

Os adeptos em protesto defendem as suas ações. «Enquanto os protestos não causavam disrupção, eram um lado pitoresco do futebol. Agora estão mesmo a afetar o jogo e a tornar-se mais audíveis. É preciso incomodar, perturbar e atrair atenção», diz Helen Breit, uma das representantes dos grupos de adeptos, à Kicker.

Breit defende que a intenção é mesmo interromper jogos, sem entrar por protestos violentos, e insiste que na base da contestação, está aquilo que consideram a «excessiva comercialização do desporto e o facto de o futebol ser visto apenas como um produto, sem possibilidade de participação dos adeptos». No imediato, o que eles contestam é a questão em torno do voto de Kind, defendendo nova votação.

Clubes repensam decisão, um dos parceiros saiu de cena

Esse é um cenário que já não parece assim tão distante. Nos últimos dias, vários clubes têm manifestado dúvidas. O presidente do Estugarda, por exemplo, defendeu nova votação, no que foi apoiado, segundo a DW Sports, pelo Union Berlim, o Hannover ou o Hertha. E há vários clubes, entre eles o Colónia e o Borussia MGladbach, a requerer que, embora a Comissão Executiva da DFL tenha sido mandatada para decidir, a decisão final deve voltar a ser alvo de votação do clube.

Nesta altura, a DFL já está a negociar apenas com um parceiro. A Blackstone, uma das empresas que integrava essas conversações, saiu da corrida. Ao que explicou a DFL, por causa de «pontos críticos na fase de negociações». Resta apenas a CVC, a empresa de capital de risco que fechou negócios semelhantes com as Ligas espanhola e francesa.