Domingo à tarde é uma nova rubrica do Maisfutebol, que olha para o futebol português para lá da Liga e das primeiras páginas. Do Campeonato de Portugal aos Distritais, da Taça de Portugal aos campeonatos regionais, histórias de vida e futebol.

«Com as melhores defesas são campeões, com os melhores ataques nem sempre»

As premissas do treinador foram levadas à letra por todo o plantel, sem exceção.

Ao cabo de cinco jornadas no Campeonato de Portugal, e mais um par delas na Taça de Portugal, o Amarante continua com as redes por estrear.

Leu bem, zero golos sofridos, bola, nada.

Parecem os jogos na Playstation, mas se calhar nem isso. Uns falam em sorte, outros num deus do futebol, uma força sobrenatural qualquer. Como é possível isto então? Bem, a resposta parece ser simples.

«É um grupo muito solidário, dentro e fora de campo, assimilaram bem as ideias. Não há sorte sem trabalho. Temos um modelo de jogo que prevê o que a equipa deve fazer como um todo», começou por referir Pedro Pinto, ao Maisfutebol.

O técnico de 39 anos é o responsável por montar a estratégia há quatro anos, dando sempre primazia ao trabalho defensivo, que já antes lhe valeu a subida com o Alpendorada, e também a alegria de eliminar o Marítimo na Taça, faz agora um ano.

Pedro Pinto, treinador do Amarante, subiu o Alpendorada com dez vitórias por 1-0...um habitué

«Para destruir não é preciso sabedoria, já para construir….»

Um pouco de disciplina tem ajudado o jovem plantel a assimilar melhor as ideias de jogo, mas nem tudo bate certo.

Basta olhar para os números: em sete jogos realizados, zero golos sofridos. Por outro lado, em termos ofensivos contam-se apenas seis golos marcados, dois para o campeonato.

Custa a crer que não sejam líderes, com uma folha limpa, mas digamos que o golo não quer nada com eles. Ou então é uma espécie de efeito reverso. Duas vitórias por 1-0 e três empates. Desesperante.

Mas, ao que parece está tudo sob controlo. Os dois pontos que os separam do líder da Serie B ainda não são alarmantes.

Costumo dizer que para destruir não é preciso muita sabedoria, mas para construir é. Ganhar por 4-3 ou por 1-0 é diferente. Podemos marcar quatro, mas se não mantivermos a consistência defensiva vamos perder o jogo. Ganhar 1-0 não significa que a equipa não soube criar ocasiões, mas mostra que controlou todos os momentos do jogo. Temos criado várias ocasiões para concretizar, mas não aconteceu, é normal. Anormal é o que está a acontecer no capítulo defensivo»

Normal não é, certamente.

O Amarante tem a defesa menos batida da Europa! Assim de repente parece exagero, mas é verdade.

Analisando os números das principais ligas europeias, até escalões idênticos, é possível verificar que a equipa portuguesa tem o melhor registo de todas.

É possível que haja igual noutros lados, mas melhor não existe, ainda que só tenham disputado cinco encontros para a liga, longe dos números de outras formações no Velho Continente.

São poucas as equipas que se podem gabar de uma proeza do género. Como tal, não é de estranhar que jogar contra o Amarante neste momento traga uma motivação extra aos adversários, sobretudo aos avançados.

Aquelas redes por estrear...até parece um sonho. Com o som do apito, o campo de visão parece afunilar-se ao ponto de só verem a baliza à frente. É como se estivessem frente a uma baliza deserta com uma bola nos pés. Impossível resistir.

Uma vontade que os consome aos poucos, como veneno, e que tem trazido dissabores.

Isto porque do outro lado mora uma equipa cínica, com um treinador inspirado pelos melhores: «Gosto de Simeone no controlo dos espaços do adversário e na posse de bola, e na transição defensiva inspiro-me em Luís Enrique e Guardiola.»

Herói é uma espécie de Buffon mas «muito chato»

«Depois podem acontecer coisas. Logo no primeiro jogo vencemos 1-0 mas tivemos um penalti contra nós que o Nené defendeu»

Foi assim que Pedro Pinto introduziu aquele que tem sido uma das principais figuras da equipa do Amarante.

Nené, assim se chama o guarda-redes que vive, porventura, um dos melhores momentos da sua já vasta carreira.

Da baliza consegue ver e controlar tudo, mas rejeita o papel de treinador em campo, até porque, diz, é demasiado chato para isso.

Sou muito chato, às vezes até me sinto mal porque falo de mais, mas sempre no intuito de ajudar. Sempre falei, desde novo. Às vezes fico até um pouco aborrecido porque não devia falar tanto, mas é o entusiasmo e o calor do jogo. Até agora ainda nenhum colega meu reclamou, aceitam bem as indicações»

Titular absoluto no campeonato, o veterano leva 450 minutos sem sofrer golos, e corre para um recorde que permanece ainda muito distante, o de João Botelho, do Operário, com 1221.

«No início da época tinha traçado o objetivo da baliza menos batida, mas isto nunca me passou pela cabeça. Agora que está a correr bem, gostava de tentar bater o recorde nacional. Ainda está longe mas vamos ver», avisou.

Nené é por estes dias o guarda-redes menos batido dos principais campeonatos europeus

Escriturário numa empresa de distribuição de gás engarrafado, Nené já está habituado a dar ao dedo, e quando é preciso lá tem que carregar umas quantas garrafas. Muito pesadas, confessou, tal como o fardo de manter as redes invioladas.

«Não sinto o peso, isto é uma pressão mas no futebol é boa e saudável, quem não souber lidar com ela não vai a lado nenhum. Dá-nos mais motivação para trabalhar», lembrou.

Fã incondicional de Buffon e da «tranquilidade» de Neuer, o guarda-redes de 33 anos podia até embandeirar em arco este feito. Mas não, prefere destacar o coletivo e admite que trocava os louros por uma vitória em todos os jogos.

«No último jogo cheguei a casa aborrecido. Trocava a baliza a zeros pela vitória. Isto dá-nos confiança mas trocava este registo por um lugar na fase de subida», revelou, dizendo ainda que está preparado para o momento em que uma bola entrar na baliza: «O que interessa é a vitória, a equipa. Se sofrer um golo mas trouxermos a vitória não há problema algum»

Por esta altura, os registos do guarda-redes e da equipa impressionam até os próprios adeptos.

Na bancada já se fala muito de mim. A minha família foi ver-me no último jogo e as pessoas dizem “hoje o Nené vai sofrer, não tem hipóteses”. Até os nossos adeptos. Mas pronto, ainda não foi desta»

Numa altura em que se discute a questão da rotatividade nas balizas, por exemplo no Benfica, é importante referir que no Amarante é o jovem Paulo Jorge a assumir as redes na Taça. Agora segue-se o «dérbi» com o Penafiel. Sim, passaram, e o jovem não borrou a pintura.

A união como segredo do sucesso, mas um segredo muito bem guardado, este do Amarante.

Acima de tudo, uma lição de bem defender.

O resto, bem, virá com o tempo.