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Alemanha  |  

Do Neverkusen à obra-prima de Xabi Alonso: a festa que esperou 120 anos

O Bayer Leverkusen é finalmente campeão da Alemanha. Como o treinador basco levou o clube que ficava sempre perto mas nunca ganhava ao título e a uma época de sonho. Que ainda não acabou

O Deutscher Meister é o Bayer Leverkusen, pela primeira vez em 120 anos. Na imensa romaria no acesso ao estádio para o jogo que podia ser do título, na alma das bancadas cheias do Bay Arena a antecipar a decisão, nas invasões de campo que acabaram por confundir o jogo com a festa, está condensado um século e em cima dele mais de duas décadas de expectativas altas e de outras tantas frustrações. Na hora da festa, Xabi Alonso, o homem que juntou finalmente todas as peças e fez do Leverkusen campeão da Alemanha a cinco jornadas do fim, sem derrotas em toda a temporada e ainda com mais dois títulos por disputar, fez questão de estabelecer essa ligação ao passado.

«Sinto que isto não é só para nós. Isto é para tanta gente que perseguia este sonho há tanto tempo. Tenho em mente os treinadores antigos, Christoph Daum, Klaus Topmöller, Roger Schmidt, também são parte disto.» Quando falou destes nomes, Xabi Alonso evocou as memórias que mais mexem com quem vive o clube, aquelas que lhe colaram uma espécie de maldição. E com ela a alcunha de Neverkusen. O clube que chegava perto, mas nunca ganhava.

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A maldição do Neverkusen

A história do Leverkusen começa em 1904, desde sempre associada à Bayer. Foi um grupo de trabalhadores da empresa que fundou o clube, o qual chegaria pela primeira vez à Bundesliga no final dos anos 70. A ambição estava lá desde cedo, alicerçada na associação a uma empresa sólida e com capacidade de investimento. E houve motivos para celebrar. Poucos, na verdade. Até hoje, o Bayer tinha dois grandes títulos: uma Taça UEFA, conquistada em 1988, e uma Taça da Alemanha, ganha em 1993. Depois, esteve várias vezes perto da glória. Mas falhou sempre.

Com Christoph Daum, treinador entre 1996 e 2000, perdeu de forma cruel a oportunidade de conquistar a Bundesliga, na última jornada da época 1999/00. A precisar apenas de um empate frente ao Unterhaching, o descalabro dessa equipa recheada de craques começou com um autogolo da estrela maior, Michael Ballack, e acabou com uma derrota que entregou o título ao Bayern Munique.

Klaus Topmöller era o treinador na época 2001/02, aquela em que o Bayer esteve à porta de uma tripla coroa, mas deitou tudo a perdeu em duas semanas e acabou de mãos a abanar. Primeiro falhou o título da Bundesliga, que terminou a um ponto do campeão Borussia Dortmund. Depois perdeu a final da Taça da Alemanha com o Schalke. E a seguir, no final de uma época incrível, jogou a final da Liga dos Campeões, mas perdeu-a para o Real Madrid e para Zidane, naquele golo de génio do francês.

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Nas seis épocas entre 1997 e 2002, o Leverkusen foi quatro vezes vice-campeão da Bundesliga. É daí que nasce a alcunha de Neverkusen, na versão internacional, ou Vizekusen, o eterno segundo. Uma maldição que ninguém conseguiu contrariar nos anos seguintes, com muitos treinadores no banco, muitos deles a parecerem chegar perto, a alimentarem expectativas altas. Como Roger Schmidt. O agora treinador do Benfica chegou a Leverkusen em 2014, conseguiu um quarto e um terceiro lugar, mas saiu a meio da terceira temporada, sem conseguir quebrar o enguiço.

Gerardo Seoane, o antecessor de Xabi Alonso, levou o clube ao terceiro lugar em 2021/22. Mas a época seguinte ameaçava tornar-se um pesadelo. Quando Alonso chegou, em outubro de 2022, o Leverkusen era penúltimo na Bundesliga.

Xabi Alonso, o arquiteto (com profecia de Mourinho e Guardiola)

Quando contratou Xabi Alonso, o Leverkusen contratou alguém com um currículo bem mais rico do que o próprio clube. Campeão do mundo e bicampeão da Europa, duas vezes vencedor da Liga dos Campeões, com títulos em Espanha, na Alemanha e em Inglaterra. Mas contratou muito mais do que isso.

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A expectativa em torno de Xabi Alonso era grande. Por causa do enorme jogador que foi, por ter trabalhado com os melhores, pela forma como se percebia que analisava e pensava o jogo, pela serenidade com que soube esperar pelo projeto que lhe pareceu mais adequado, enquanto ganhava experiência no comando da equipa B da Real Sociedad. Já em 2019, José Mourinho tinha escolhido Xabi Alonso quando lhe perguntaram qual dos seus antigos jogadores poderia vir a ser um treinador de sucesso. Também Pep Guardiola antecipara um futuro risonho para Alonso nos bancos.

Ele aprendeu com ambos. Aprendeu algo que os aproxima, embora sendo treinadores tão diferentes. «Têm muitas coisas em comum, mas são sobretudo líderes. Partilham o carisma, essa coisa especial que, quando entram numa sala, toda a gente sabe que entrou ali o chefe e tem de o escutar», disse em tempos Xabi Alonso sobre Guardiola e Mourinho, como recordou agora o site da Bundesliga: «Eles sabem que hoje em dia temos de adaptar a equipa para ter vantagem sobre o adversário, investem muito tempo e trabalham muito. Para ser exigente como os teus jogadores tens de ser primeiro exigente contigo, e eles são. Para mim, o que é especial é a forma como eles conseguem passar a mensagem que querem aos jogadores e como conseguem criar uma ligação contigo e passar a ideia que querem.»

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«Quando Xabi tem uma ideia, consegue que faça sentido para todos»

Nesta análise está muito do que distingue também o próprio Xabi Alonso como treinador. Dizem os seus jogadores. «Toda a gente o compreende. Quando ele tem uma ideia, consegue que faça sentido para todos os jogadores», observa o defesa Jeremie Frimpong em declarações ao The Athletic: «Sinto sempre que ele sabe utilizar as minhas capacidades – como ocupar espaços, o um para um, os contra-ataques. Coisas assim. É assim com toda a gente. Perguntem a quem quer que seja na equipa: vão dizer o mesmo.»

Xabi Alonso levou algumas semanas a adaptar a equipa às suas ideias em Leverkusen. Somou apenas uma vitória nos primeiros sete jogos, mas a partir daí encetou uma recuperação que levou o Leverkusen até ao sexto lugar da Bundesliga e à meia-final da Liga Europa, perdida precisamente para a Roma de José Mourinho.

Estava a lançar as bases para esta época de sonho. Que foi, antes de mais, cuidadosamente planeada. Apesar de ter perdido o goleador Moussa Diaby, o Leverkusen investiu os 55 milhões de euros da transferência do avançado francês para o Aston Villa numa política de reforços que procurou encontrar o equilíbrio que faltava à equipa. Antes de mais, a experiência de veteranos como Granit Xhaka - um pilar da equipa esta época - ou Jonas Hofman. Ou Alex Grimaldo, que chegou do Benfica a custo zero para se tornar uma das figuras da temporada em Leverkusen, com 11 golos e 16 assistência. Outra aposta ganha foi Victor Boniface, que chegou dos belgas do Saint-Gilloise e é o melhor marcador da equipa, a que se juntou a explosão de um talento como Florian Wirtz, o menino de 20 anos que cresce em Leverkusen desde 2020 e já leva 17 golos, três deles depois de sair do banco no jogo do título.

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O Leverkusen de Xabi é uma equipa sedutora e versátil, com uma solidez mental que fez a diferença. Sem amarras ao passado. Na festa do título, Alonso disse que não se sentiu tolhido pelo lastro histórico de falhanços do clube. «Como eu não estou aqui há muito tempo, isso não estava muito impregnado em mim. Provavelmente o peso da história não era tao pesado para mim. Cheguei e disse: ‘Vamos ver o que acontece’.»

Uma época de recordes e não acabou

O que aconteceu, e está a acontecer, é uma época incrível. O Leverkusen quebrou uma das mais fortes e duradouras hegemonias da história do futebol, pondo fim a uma série de 11 títulos consecutivos de campeão alemão do Bayern Munique. Fê-lo com uma série de 29 jornadas sem derrotas, o que estabelece um novo recorde na Bundesliga. Em 43 jogos esta época, ainda não perdeu nenhum. Tem 38 vitórias e cinco empates, está nos quartos de final da Liga Europa e na final da Taça da Alemanha. Pode ganhar três títulos.

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Alonso preparou o jogo do título a pensar no que ainda tem pela frente. A meio da eliminatória de Liga Europa com o West Ham, depois da vitória por 2-0 na primeira mão, rodou jogadores, começando com Grimaldo, Frimpong ou Wirtz no banco. No meio da loucura que foi a festa no relvado, o treinador manteve a serenidade que o distingue. No gesto comedido a festejar quando Wirtz apontou o 5-0 que acabou com o jogo – literalmente, face à invasão de campo -, na tranquilidade calorosa a cumprimentar os adeptos, um a um, junto às bancadas.

A mesma serenidade com que arrumou cedo a questão sobre o seu futuro próximo. Aos 42 anos, ele era o nome mais cobiçado do futebol europeu, para uma época com lugares vagos nos bancos de alguns dos gigantes do continente. Mas anunciou ainda no final de março que vai ficar onde está, pelo menos na próxima temporada. Com uma explicação clara e simples: «Ainda sou um jovem treinador, mas penso que esta é a melhor decisão para o meu futuro. O meu trabalho aqui ainda não acabou.»

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