*Enviado-especial ao Euro 2016

A Áustria é o segundo adversário de Portugal no Campeonato da Europa, e era antes da primeira jornada, em teoria, o seu maior concorrente na luta pelo primeiro lugar do Grupo F em França. Depois de ter sido coorganizadora em 2008 (com a Suíça) sem que tenha vencido um único encontro, a equipa de Marcel Köller apresenta, mesmo após o desaire com os húngaros, uma consistência difícil de encontrar no passado recente.

Longe, muito longe, vão por exemplo os tempos da Wunderteam de Hugo Meisl e do craque Matthias Sindelar, uma das primeiras grandes seleções do século passado. Ou a Áustria dos fins dos anos 70 e inícios de 80, liderada por Schneckerl Prohaska e pelo goleador Hans Krankl. Ou mesmo a da década de 90, que esteve em duas fases finais de Mundiais, comandada pelo matador Toni Polster. A atual seleção é a mais rica em talentos individuais, sobretudo do meio-campo para a frente.

Se um nome sobressai entre todos os outros é o do frenético David Alaba, que marca e muito esta seleção austríaca. No entanto, há outros que a tornam temida por qualquer rival. Arnautovic, Harnik e Junuzovic formaram durante todo o apuramento um trio veloz, possante e com técnica acima da média, e que suportou um 9 bem conhecido dos portugueses: Marc Janko. A lesão de Junuzovic mexe obviamente com a estrutura de um meio-campo fortíssimo, e obrigará, pelo menos nos próximos dois encontros, a uma solução de recurso. E as mudanças podem nem sequer acabar com aqui, depois da paupérrima prestação de Harnik frente à Hungria.

Na fase de qualificação, Das Team desperdiçou apenas dois pontos em 30. Empatou em Viena com a Suécia a uma bola, e daí partiu para nove triunfos consecutivos. Terminou o apuramento no primeiro lugar, à frente de Rússia, Suécia, Montenegro, Liechtenstein e Moldávia. Impressionante. Se isso não chega para levar a sério a ameaça, falta reforçar que a Áustria é 10ª do ranking FIFA (actualização de junho), dois degraus abaixo de Portugal, sinal de uma consistência que vem adquirindo progressivamente nas fases de qualificação.

Alaba é a grande figura da seleção austríaca.

O 4x2x3x1 de que Portugal já gostou tanto, agora do outro lado

Köller monta esta seleção num 4x2x3x1 extremamente dinâmico. Curiosamente, um sistema que foi durante décadas o preferido dos portugueses.

O novo reforço do Bayer Leverkusen, ex-Mainz, Julian Baumgartlinger, mais preocupado com a desconstrução dos ataques contrários, forma geralmente o duplo-pivot com o dínamo David Alaba, que pressiona, faz contenção, transporta a bola, pisa de área a área, distribui e remata, assumindo muitos papéis no onze. Ou assumia até aqui. Com a rotura parcial do ligamento do tornozelo por parte de Junuzovic uma das opções poderá passar por adiantar o futebolista polivalente do Bayern para a posição 10, com Ilsanker ao lado de Baumgartlinger, mas com Köller a ficar sem mais opções para essa posição no banco.

Outra será manter o duplo-pivot tal como está e fazer entrar nessa zona central mais ofensiva Alessandro Schöpf, médio criativo de 22 anos que passou, no último inverno, do Nuremberga para o Schake 04, entusiasmando as bancadas de Gelsenkirchen. É, no entanto, muito inexperiente, não esteve em nenhum jogo de qualificação, estreando-se no 11 no particular com a seleção de Malta.

Mais à frente, Harnik, sobre a direita, tem sido o alvo preferencial para liderar as transições rápidas, com Arnautovic e agora o substituto de Junuzovic a procurarem desdobramentos, num papel que pode assentar bem a Alaba. Só que a exibição de Harnik, fora de forma, não agradou, no entanto, na estreia com a Hungria, e o jovem Sabitzer tem sido apontado nas últimas horas com insistência à equipa inicial.

Arnautovic, um destro encostado à esquerda, procura com frequência zonas interiores para desferir o remate. E é também um porto-seguro. A fazer lembrar um pouco o sueco Ibrahimovic – 1,92 metros de altura contra 1,95, com vantagem para Zlatan, mas fisicamente possante e com técnica acima da média –, o avançado do Stoke é muito eficaz a segurar a bola, podendo servir também como segundo pivot – exatamente como no andebol – se necessário.

Como gosta de terrenos interiores, Arnautovic abre espaço para a vocação ofensiva de Fuchs, campeão pelo surpreendente Leicester. O mesmo dinamismo e cumplicidade surge do outro lado com Harnik e Klein, ambos do Estugarda, embora o médio tenha como melhor pé o de fora, o que o leva a procurar mais cruzamentos e jogadas de combinação mais próximas do flanco do que o remate contranatura. Algo que não conseguiu com eficácia no primeiro encontro.

Na frente, há Janko. Um 9 posicional, que marcou sete golos na qualificação. Forte no ar, mas não só, já que apresenta critério na hora da finalização.

Okotie, um ponta de lança mais móvel que Janko, o médio-centro Ilsanker e o jovem atacante Sabitzer, como se disse, apresentam-se como opções válidas a entrar de início ou durante os encontros com uma consistência aproximada das apostas principais.

Há ainda Jantscher, que costuma assumir as bolas paradas quando está em campo. Isto apesar de ter apenas 24 minutos divididos por três encontros na qualificação.

A Áustria gosta de ter a bola. Sente-se confortável com ela, e tem jogadores com técnica para segurá-la e rodá-la entre si. Possui, ao mesmo tempo, paixão pela vertigem nas saídas rápidas para o ataque. Gere a pressão, entre intensa a moderada, e reage rápido à perda. A mobilidade das suas duas unidades no duplo-pivot permite-lhe controlar a largura, mas ao mesmo tempo poderá desproteger a zona central.

É, contudo, muito diferente ter ou não ter um jogador de classe mundial como Alaba nesses terrenos.

Baumgartlinger, o homem dos equilíbrios defensivos.

Pressão e defesa altas

A Áustria gosta de pressionar, mas o que surpreende realmente é a forma como reage coletivamente, em décimas de segundo, quando uma das suas unidades decide carregar sobre a bola. Esses momentos são conseguidos muito por culpa de dinâmica de Alaba e Baumgartlinger, mas também pela disponibilidade dos três médios mais ofensivos para os duelos defensivos, fruto de uma excelente condição física.

Momento de reação à perda da bola no meio-campo ofensivo. Grande dinâmica.

A defesa joga um pouco subida precisamente para ajudar no abafar dos rivais, o que poderia ser algo a explorar pelos adversários – com bolas nas costas –, tal como a zona central, mais desfalcada precisamente pela forma como Baumgartlinger e Alaba são por vezes puxados para os flancos. Em situações de jogadas exteriores há por vezes algum despovoamento à entrada da área, que pode ser aproveitada.

Sempre que o adversário perde a bola em desequilíbrio, os austríacos disparam em contra-ataque vertiginoso.

EQUIPA-TIPO: Robert Almer (32 anos, Áustria Viena); Florian Klein (29 anos, Estugarda/ALE), Aleksandar Dragovic (25 anos, D. Kiev/UCR), Sebastian Prödl (28 anos, Watford/ING) e Christian Fuchs (30 anos, Leicester/ING); Julian Baumgartlinger (28 anos, Mainz/ALE) e David Alaba (23 anos, Bayern/ALE); Martin Harnik (28 anos, Estugarda/ALE), Zlatko Junuzovic (28 anos, Werder Bremen/ALE) e Marko Arnautovic (26 anos, Stoke/ING); Marc Janko (32 anos, Basileia/SUI)

Golos marcados: 22

Marc Janko, 7; Alaba, 4 (3 de penálti); Harnik e Arnautovic, 3; Okotie e Junuzovic, 2; Sabitzer, 1

Cinco golos de bola parada (3 penáltis, 1 canto e 1 lançamento lateral) e 17 de bola corrida.

Golos sofridos: 5

Guarda-redes: Almer, -5

-3 bola parada (1 penálti, 1 canto, 1 livre indireto), -2 bola corrida

ASSISTÊNCIAS: Harnik, 3; Arnautovic e Janko, 2; Fuchs, Junuzovic, Sabitzer, Alaba e Jantscher, 1

EM PORMENOR:

A DEFENDER:

A Áustria faz um pressing alto mas moderado à saída dos seus adversários, mas toma de assalto o portador da bola assim que este começa a pisar zonas intermediárias. A dinâmica imposta por Baumgartlinger e Alaba impressiona, na ânsia que recuperar a posse, complementada por movimentos que enquadram também Harnik, Junuzovic e Arnautovic.

Pressão alta com intensidade moderada por parte dos austríacos.
Pressão intensa agora no meio-campo, embora com uma linha defensiva algo profunda.
Num ápice, a Áustria transforma uma pressão moderada em intensa. Aqui, o defesa sueco perde a bola, com muito perigo.

A equipa de Marcel Köller procura sempre o equilíbrio e raramente descompensa a linha de quatro defesas – sofre golo em Montenegro quando não tem os seus médios de cobertura na zona frontal e Prödl é obrigado a sair para fazer contenção. A bola é depois metida nas costas de Dragovic, que (terá sofrido falta e) não consegue aliviar.

Existe alguma permissividade na linha defensiva quando mais alta e são metidas bolas nas costas, embora Dragovic, o mais talentoso dos centrais, seja rápido e consiga por inúmeras vezes anular jogadas perigosas. 

O defesa é, como se sabe, também ausência depois da expulsão frente à Hungria, o que, a exemplo do que se passa no meio-campo ofensivo, também fragiliza a Áustria na zona mais recuada. Hinteregger recuperou a titularidade na primeira jornada do Euro 2016, depois da aposta recorrente em Prödl, que provavelmente entrará também agora no 11 para a partida com Portugal. O defesa do Watford não tem a mesma capacidade para sair a jogar que Dragovic, embora contraponha essa menor qualidade com experiência e serenidade.

Tal como acontece com a Islândia, embora por razões diferentes, também a Áustria esvazia a zona central em certos momentos defensivos. Se com os nórdicos, isso deve-se ao recuo excessivo dos médios-centros, os austríacos são penalizados pela mobilidade dos dois médios mais recuados, que pisam muitas vezes zonas laterais, sem que haja a devida compensação por parte dos avançados.

BOLAS PARADAS – marcação mista, por vezes com a linha defensiva muito adiantada.

Posicionamento defensivo num livre lateral, aqui frente a Montenegro.

A ATACAR:

Uma seleção versátil. Que gosta de posse, mas que explode a grande velocidade em contra-ataque, sobretudo em momentos em que o jogo mais o proporciona, quando se apresenta mais partido.

Explosão muito rápida no contra-ataque, aqui com Alaba na posição 9 (Janko já tinha saído) e Baumgartlinger a conduzir. Harnik procura já o espaço sobre a direita e irá finalizar (0-4) ao segundo poste, depois de Baumgartlinger abrir na esquerda para Arnautovic e este servir a entrada de Jantscher. A bola passa à frente de Alaba e chega tranquilamente a Harnik, que não tem problemas em marcar.

Às vezes, é mesmo uma seleção que simplifica processos, com um futebol mais direto. Na receção à Rússia, a Áustria marcou na sequência de um pontapé de baliza. Junuzovic ganhou de cabeça pelo ar, e a bola sobrou para Harnik, que cruzou para a finalização de Okotie. 

No início da fase de construção, não raras vezes Alaba ou Baumgartlinger ajudam na saída, recuando para junto dos centrais. O futebolista do Bayern possa fazê-lo até de uma das alas, sobretudo da direita, para facilitar a saída pelo meio, onde haverá um pouco mais de espaço.

Alaba a recuar para ajudar na saída de pressão.

Junuzovic foi até aqui o jogador com maior liberdade, procurando ocupar espaços deixados livres pelos companheiros. Partindo do meio, onde tentava criar desequilíbrios na área com passes de rotura ou progredindo em drible, aparecia em inúmeras ocasiões mais descaído sobre um dos flancos, permitindo aos companheiros movimentos para o interior. Resta saber se o seu substituto terá papel idêntico (que assentaria bem a Alaba) ou será mais posicional, tornando-se um 10 mais tradicional, apostando mais em passes de rotura e na meia-distância.

Harnik é um jogador muito vertical e veloz, um bom condutor de transições rápidas. Arnautovic procura o drible e o remate com o pé de dentro a partir da esquerda. Janko é o alvo da maior parte dos cruzamentos, num mundo ideal o dono do último toque, o mais objetivo e decisivo, da maior parte das jogadas.

Alaba é sempre um dos primeiros a chegar. Com bola, ou procurando-a, para definir, com um passe ou um remate. Baumgartlinger coloca-se mais atrás, tentando prever onde deve cair a reação à perda.

Harnik com a bola à direita, Junuzovic movimenta-se para eventualmente combinar e arrastar o defesa, permitindo o movimento vertical de Alaba, já inicialmente muito adiantado em campo. Repare-se que Baumgartlinger, com quem faz dupla no meio-campo, é jogador austríaco mais à esquerda na foto.

BOLAS PARADAS – aproveitamento dos lançamentos laterais, com a força de braços de Fuchs; várias jogadas pré-definidas; os livres indiretos e cantos para o pé esquerdo são para Fuchs, os que pediam um destro ficavam para Junuzovic, embora Jantscher também possa ser chamado; o possante Arnautovic é procurado neste tipo de lances, seja como finalizador ao segundo poste ou como referência ao primeiro, para um eventual desvio. Para os diretos há Alaba.

Um exemplo de um livre de laboratório que resultou em pleno apareceu em Viena, frente à Rússia: com vários jogadores em fora de jogo posicional, Junuzovic passou por cima da bola, e Fuchs cruzou. Um dos que se encontrava em posição regular movimentou-se para o segundo poste e colocou de cabeça em zona frontal – os que estavam em fora de jogo deixaram de estar – ao segundo poste. Um golo fácil.

PONTOS FORTES:

Mistura interessante de jogadores mais experientes com outros no auge das suas aptidões, e com Alaba, o mais jovem entre os mais utilizados, como foco aglutinador de vários processos.

Versatilidade. Alaba, Harnik, Arnautovic e até aqui Junuzovic (que não joga com Portugal), sobretudo, garantiam soluções diferentes, seja em transições rápidas, num estilo mais direto, ou em processos de construção mais maturados.

Equipa motivada, e muito confiante, raramente entra em pânico.

Intensidade fortíssima no meio-campo na procura da bola, e reação coletiva na pressão.

A capacidade de explosão no contra-ataque.

Os livres de Alaba.

As jogadas de laboratório.

PONTOS FRACOS:

Não são muitos.

A mobilidade das duas unidades do duplo-pivot (com Alaba) favorece o aparecimento de algum espaço em zonas frontais.

Grupo curto, apenas 16 jogadores foram titulares na fase de qualificação. Tirando o 11 base, não abundam outras opções, embora tenha sobrevivido na receção à Rússia sem Alaba e Baumgartlinger e com Ilsanker e Leitgeb (lesionou-se com gravidade e não está nos 23) no duplo-pivot. Sabitzer parece ser aposta para um futuro a médio prazo.

Robert Almer, apesar de parecer competente, está longe de ser um guarda-redes brilhante.

Inexperiência em fases finais.