por Juan Esteban Rodriguez*


«A derrota tem algo positivo: nunca é definitiva. Em contrapartida, a vitória tem algo negativo: nunca é definitiva»

(José Saramago)


Quando Saramago escreveu estas palavras não estava, como é evidente, a pensar em Espanha. Entre outras coisas porque «don» José faleceu em 2010, por certo em pleno Mundial, a 18 de junho, sem ter tempo para perceber como Espanha estreava a sua contagem de troféus de campeã do Mundo.

Mas, sem o saber, deixava no ar uma frase perfeitamente aplicável à situação que se gerou em Espanha, depois da inesperada derrota com os Países Baixos (a quem aqui, de maneira incorreta, temos a mania de chamarmos Holanda). 

Porque a derrota, efetivamente, nunca é definitiva e a isso nos agarramos nós nestas horas cinzentas em que temos que fazer cálculos do que tem que acontecer nas próximas duas jornadas para que Espanha possa defender a sua estrela nas fases a eliminar.

Que foi um grande choque, sobre isso não há qualquer dúvida.

Porque, sim, a lista final de Del Bosque foi discutida. O selecionador insistiu em apostar em jogadores nucleares com um desgaste físico acumulado importante para a sua idade. Alguns deles em evidente baixa de forma, como Xavi, Piqué, Alonso e Casillas. Neste grupo era necessário introduzir gente nova, ainda que ninguém pudesse esperar um descalabro como o que se deu na estreia.

Só por uma vez, há 64 anos, e precisamente também no Brasil, no Mundial do «Maracanazo», havia recebido Espanha um castigo mais duro que na passada sexta (naquela ocasião perdemos 6-1 contra a «verde e amarela») e nunca o campeão em título se estreou desta maneira. Talvez tenha acontecido o que tinha que acontecer. Talvez isto faça entender a alguns que não se ganha com a história, não se ganha com nomes, não com a medalha ao peito.

Em Espanha estávamos mal habituados, temos sido como meninos ricos, pouco acostumados a que se lhes negue um capricho e lhes dê uma reprimenda.

A final da Confederações do ano passado devia ter servido para iniciar a renovação, para mudar algumas coisas. Para entender que os que há seis anos comiam o mundo, agora correm com esse mesmo no estômago. E não é igual ter fome e estar saciado.

Mas vamos pôr nomes às coisas, dado que alguns ficaram especialmente visíveis depois da goleada. Primeiro, Casillas: o que durante muitos anos foi considerado o melhor guarda-redes do planeta, há já bastante tempo que não é.

O guarda-redes titular da seleção campeão do Mundo não pode ser alguém que nem sequer é titular no seu clube. Nunca foi bom no jogo aéreo, nem com os pés, mas agora, para mais, acrescentou a insegurança de quem não se sabe indiscutível. Casillas voltou dos céus, de onde muitos insistiam em situá-lo. Como Ícaro, queimaram-se-lhe as asas.

Centrais em causa

O papel da dupla de centrais, Piqué e Ramos, foi especialmente grave. Sobretudo o de Ramos, posto que esperávamos mais dele, muito mais do que de Gerard.

Piqué tem estado mal há algum tempo, desde que há dois anos pelo menos ganhou peso, perdeu velocidade e tem a cabeça algo dispersa entre mesas de póquer e «waka-wakas». Não é, nem por sombras, nos dias de hoje, um dos cinco melhores centrais do Mundo, quando há pouco estava, sem dúvida, no top3.

Mas Sergio Ramos tinha feito época estupenda, marcou o golo decisivo na final da Champions e alguns jornais espanhóis haviam decidido que este ano era um claro candidato à Bola de Ouro. Pois o candidato a Bola de Ouro completou uma atuação de juvenil, descentrado, lento e sempre fora de sítio. Robben e Van Persie puderam a nú todas as vergonhas dos nossos centrais. Passaremos muitos anos com saudades do melhor defesa que tivemos, Carles Puyol. Alma, coração e vida desta geração campeã.

Só Iniesta se salvou um pouco

Os nossos médios também não nos fizeram muito felizes. Apenas Iniesta se salvou um pouco do desastre. O clamor de muitos para que Del Bosque levasse Gabi (capitão do At. Madrid, campeão da Liga e possivelmente o melhor médio da liga espanhola esta temporada) encontrou justificação nesta partida.

À Espanha faltaram os pulmões de Gabi (que viu a partida comodamente na sua casa em Madrid) e de Koke (sentado no banco). Enquanto isso, Xavi, Xabi Alonso e Busquets nunca encontraram o seu lugar e Silva e Iniesta apenas inquietaram a baliza dos de Van Gaal (Silva falhou a ocasião que podia sentenciar o duelo e Iniesta foi, salvo no passe de Diego Costa que precedeu o penálti, absolutamente intranscendente).

Sai Costa entra Fabregas?

Lá na frente, Costa nunca encontrou o seu sítio. Em nenhum momento se sentiu cómodo, esteve impreciso, ainda que tenha logrado forçar o penálti (duvidoso) com que a Espanha se pôs em vantagem.

No seu estilo provocador, levou o dedo à boca, para mandar calar os adeptos. Costa, enfim, é assim, que se há-de fazer? Também não esteve muito bem Torres. Falhou uma ocasião muito clara que, apesar de não impedir a derrota, poderia precaver o futuro na questão do «goal average». Mas Fernando não esteve acertado.

Então… e agora?

O verão pode ficar muito quente em Madrid se a seleção não se levanta disto. Depois da morte de Adolfo Suarez, a abdicação do Rei e a Liga para o Atlético de Madrid, os corações dos espanhóis não estão preparados para não se apurarem para os oitavos. Uma coisa é ter seis milhões de desempregados, outra muito distinta é não nos classificarmos para a fase seguinte. Isso é que não. Os partidos anti-sistema esfregariam as mãos.

Falando mais a sério, Espanha precisa de alterar várias coisas. O mínimo que se pede nas ruas são duas ou três mudanças. Isso, os otimistas. Outros, pedem algumas mais. Daria uma oportunidade como central a Javi Martinez no lugar de Piqué. Se Juanfran estiver disponível, também acredito que deveria entrar no lugar de Azpilicueta. O lateral do Atlético de Madrid tem mais profundidade que o do Chelsea e perante uma defesa de cinco, como a que parece que vai experimentar Sampaoli, a capacidade de abrir o campo será fundamental, algo que Juanfran faz como poucos nesta seleção. E creio que há duas mudanças que são indiscutíveis: Koke e Pedro não podem passar mais tempo no banco.

Seguramente, também se voltará ao sistema do «falso 9», com a entrada de Fabregas por Diego Costa. Algo que, no fundo, é o que Del Bosque sempre quis fazer.

Em qualquer caso, o ambiente nas ruas não é otimista. A goleada fez dano e retirou confiança. Tirámos as camisolas da seleção e agora todos opinam com a camisola da sua equipa vestida. Espanha é um país de clubes e levamos essas diferenças às grandes competições de seleções.

Na África do Sul, fomos capazes de arrumar as camisolas no armário e empurrar todos a favor de Espanha. Seremos capaz de voltar a fazê-lo agora? 

Teremos tempo?   

* Juan Esteban Rodríguez Garrido, nascido em Madrid em 1982, é licenciado em História pela Universidade Complutense de Madrid, doutorou-se em Didáticas das Ciências Sociais. Professor de Ciências Sociais na Faculdade de Educação em Madrid, publicou o seu primeiro livro, tendo sido, durante seis meses, professor convidado da Universidade do Porto. É co-autor do livro «Lendas da Premier League», sobre os primeiros 20 anos do atual formato da Liga inglesa. Em 2014, publicou «Arda Turan, o génio de Bayrampasa», sobre o fenómeno de popularidade da estrela turca do At. Madrid