A tendência de treinadores portugueses campeões na Liga já era recorde e vai prolongar-se esta época. Será a 11ª temporada seguida com um português no banco do campeão, seja ele Rui Vitória, o campeão em título e que lidera a Liga com cinco pontos de vantagem a duas rondas do fim, seja Nuno Espírito Santo, o técnico do FC Porto. Um ciclo inédito e sem paralelo nas grandes Ligas europeias.

No outro extremo está a Inglaterra. A Premier League assinala por estes dias precisamente a passagem de 25 anos sem que um treinador inglês conquiste o principal campeonato. Aliás, a última vez foi precisamente na última temporada antes do nascimento da Premier League como a conhecemos hoje.

Em Portugal, o último treinador estrangeiro foi o holandês Co Adriaanse, que ganhou o título com o FC Porto em 2005/06. Sucedendo a outro treinador estrangeiro, Giovanni Trapattoni, com o Benfica.

Desde então Jesualdo Ferreira (3 títulos), Jorge Jesus (3), André Villas-Boas (1), Vítor Pereira (2) e Rui Vitória (1) garantiram o pleno português.

Em termos históricos a Liga ainda tem uma maioria de treinadores campeões estrangeiros: 27 contra 21 portugueses, 49 contra 33 em títulos. Mas os técnicos portugueses têm vindo a reduzir sensivelmente o défice, completando a inversão de uma tendência que já vinha de trás. Neste século, além de Adriaanse e Trapattoni, só houve mais um técnico campeão não português. Foi Laszlo Boloni, com o Sporting em 2002.

Premier League, 25 anos sem um inglês campeão

Olhando para as cinco grandes Ligas, nenhuma tem um registo comparável de predominância de técnicos nacionais. Antes de mais a Premier League, a mais estrangeira de todas.

O último campeão inglês foi Howard Wilkinson, que venceu em 1992 com o Leeds. Foi aliás a última edição da First Division. Ou seja, na era Premier League não houve um único treinador inglês campeão. E não será desta ainda.

É claro que Alex Ferguson, pelo menos, salvou neste período as honras britânicas. Não é inglês, é escocês, mas começou a ganhar precisamente na primeira época da Premier League, 1992/93, e desde então somou 13 títulos de campeão.

Este quarto de século representa uma inversão total de tendência no futebol inglês, durante muitos anos fechado para o resto do continente. Até 1998 não tinha havido nenhum treinador campeão de Inglaterra que não fosse nativo do Reino Unido ou da Irlanda.

O primeiro campeão estranho às ilhas britânicas foi Arsène Wenger. O treinador francês do Arsenal venceu três vezes a Premier League, até 2004. Altura em que chegou José Mourinho, que se tornou apenas o segundo estrangeiro a vencer em Inglaterra, dois títulos seguidos com o Chelsea em 2005 e 2006.

E depois foram chegando cada vez mais treinadores estrangeiros para clubes com ambições. E alguns venceram. Desde a retirada de Ferguson em 2012/13, com mais um título, não houve mais nenhum treinador britânico campeão. Foram Manuel Pellegrini, de novo Mourinho no Chelsea e a seguir Claudio Ranieri. O próximo será seguramente estrangeiro também, muito provavelmente o italiano Antonio Conte, que lidera o Chelsea com sete pontos de vantagem a três jornadas do fim.

Os grandes de Inglaterra têm recorrido maioritariamente a treinadores estrangeiros nos últimos anos e, quando escolheram britânicos, como o Manchester United com o escocês David Moyes ou o Liverpool com o norte-irlandês Brendan Rodgers, não foram apostas de sucesso.

O tema é motivo de debate regular em Inglaterra e foi agora relançado pela BBC, num documentário a propósito dos 25 anos sem um inglês campeão. Phil Neville, antigo internacional e agora comentador, analisa assim a questão: «A principal razão isolada por que há mais treinadores estrangeiros são os donos de clubes estrangeiros. A maior parte desses donos ligam-se a um agente em particular que tem treinadores estrangeiros nos seus quadros e esse agente promove os dele.»

Arséne Wenger, o primeiro não britânico campeão em Inglaterra, também comentou o assunto nesta terça-feira, acreditando que a tendência vai mudar. «Acho que não vão passar mais 25 anos. Não é um problema da Inglaterra, a questão é que a Premier League tem forte poder de atração e hoje em dia todos os grandes clubes têm treinadores estrangeiros», afirmou o francês: «Há muitos treinadores jovens ingleses que são promissores. Vai voltar a mudar, acredito. Estamos num ponto de viragem na história do futebol inglês e vai haver um inglês a vencer a Premier League.»

Espanha para os dois lados, como esta época

Em Espanha, por outro lado, a tendência é de equilíbrio. Que se prolonga esta época, que tanto pode ter um campeão estrangeiro, Zinedine Zidane com o Real Madrid, como espanhol, Luis Enrique com o Barcelona.

Ainda assim, o peso de treinadores estrangeiros campeões tem sido relevante em Espanha. Foram quatro na última década, o último dos quais Diego Simeone com o At. Madrid, em 2014. Antes dele José Mourinho, e antes ainda Bernd Schuster e Fabio Capello, todos com o Real Madrid. Os seis títulos ganhos por treinadores espanhóis neste período são todos do Barcelona, com Pep Guardiola, Tito Vilanova e Luis Enrique.

Itália mais nacional e Mourinho como marco

Itália é das grandes Ligas que mais apostam em treinadores nacionais, e com mais sucesso, nos clubes de topo. Mas há um nome português a interromper o ciclo de conquistas dos técnicos transalpinos. Mais uma vez, José Mourinho. O treinador português, que já tinha ganho em Portugal e Inglaterra e ainda haveria de ganhar em Espanha foi o último estrangeiro a vencer um «Scudetto». Dois, aliás. O primeiro em 2008/09 e o segundo em 2010, no ano em que somou ao «Scudetto» pelo Inter a Liga dos Campeões. Antes dele é preciso recuar a 2000 para encontrar outro treinador estrangeiro campeão; Sven Goran-Eriksson, com a Lazio.

Daí para cá houve um título para o Milan e o penta da Juventus, seis títulos ganhos por italianos. Aliás, ganhos por apenas dois técnicos. Allegri celebrou com o Milan em 2011 e venceu os dois mais recentes títulos da Juve: está aliás muito perto do hexa. Pelo meio Antonio Conte, o técnico que agora se prepara para vencer no Chelsea, ganhou outros três «Scudettos» para a Juve.

França, o Jardim que pode quebrar a tendência

França também é um campeonato tradicionalmente dominado por treinadores nacionais. Sendo que esta época essa tendência pode ser quebrada precisamente por um português: Leonardo Jardim, líder da Ligue 1 com o Mónaco.

Apenas 12 títulos de campeão gaulês não foram ganhos por treinadores franceses. O último deles foi Carlo Ancelotti com o PSG, em 2013. Quase 20 anos depois do anterior estrangeiro campeão, o português Artur Jorge, também com o PSG, em 1993/94.

Carlo Ancelotti, por falar nele, tornou-se aliás esta época o primeiro treinador campeão em quatro das cinco grandes Ligas, quando juntou a Bundesliga aos títulos que já tinha ganho em Itália (Milan), Inglaterra (Chelsea) e França.

O Grand Slam incompleto de Ancelotti e, claro, Mourinho

Uma espécie de Grand Slam incompleto para Ancelotti, a que faltou o campeonato em Espanha, embora tenha vencido a Liga dos Campeões em 2014 com o Real Madrid.

O triunfo de Ancelotti acentuou um tendência que também é recente na Bundesliga, onde o Bayern Munique tem inclinado as contas a favor de treinadores estrangeiros. Cinco títulos na última década, três dos quais para Pep Guardiola e, antes dele, o holandês Van Gaal, em 2010.

Ancelotti representa também um país com boa reputação de treinadores. Fama e também proveito, se olharmos por exemplo para Inglaterra, vemos como se prepara para ter o quarto treinador italiano campeão em apenas oito épocas: o próprio Ancelotti em 2010, Roberto Mancini em 2012 com o Manchester City, Claudio Ranieri com o Leicester no ano passado e agora, muito provavelmente, Antonio Conte.

Portugal tem José Mourinho, acima de todos, a intrometer-se nestas contas, o grande impulsionador da reputação crescente dos treinadores lusos. É um de muito poucos treinadores com títulos em quatro ligas diferentes na Europa: Portugal, Inglaterra, Itália e Espanha. Nas grandes Ligas, no que diz respeito a treinadores portugueses  tem para já apenas a companhia de Artur Jorge, com o título francês. E poderá ter em breve também a de Leonardo Jardim.