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A Islândia colhe hoje os frutos de uma revolução com mais de 20 anos. É o país mais pequeno de sempre a estar presente numa fase final de um Campeonato da Europa, e conseguiu finalmente atingir uma grande competição à 23ª tentativa. No apuramento para o Mundial do Brasil, há dois anos, ficou à porta, no play-off com a Croácia. Eram os primeiros sinais palpáveis de que estava no caminho certo. Confirmou-se.

Os nórdicos chegam a França depois de terem terminado em segundo num grupo ganho pela Repúlica Checa, que apurou ainda a Turquia como melhor terceiro e deixou de fora Holanda, Cazaquistão e Letónia.

As sementes para o sucesso islandês foram lançadas nos anos 90, quando a federação (KSÍ) achou que era a altura de fazer evoluir o seu futebol a fim de poder lutar com as melhores seleções do continente. Dividiu o projeto em dois passos fundamentais, embora fosse necessário posteriormente um terceiro, consequência do trabalho feito.

Não parar no inverno

O primeiro passou por melhorar infraestruturas, dotando o país de condições para não parar durante o inverno. A interrupção dos treinos por largos meses era um obstáculo físico e real à evolução.

O primeiro relvado indoor, com instalações de apoio, foi construído em Keflavík no ano 2000, e o boom económico – que durou até 2008 e resultou da privatização dos bancos e da abertura para empréstimos financeiros para o exterior – permitiu que fossem construídos muitos mais ao longo de todo o país. São hoje mais de 30 os espaços de treino para todas as condições climatéricas, sete dos quais completos, de tamanho real e totalmente indoors, e mais de 150 os pequenos tapetes sintéticos. Hoje em dia, não há aldeia na Islândia que não possa recorrer a estes espaços.

A crise económica de 2008 não travou o processo, embora tenha abrandado o desenvolvimento, mas o mais importante estava já conseguido.

Qualificar treinadores

O segundo passo teria de ser melhorar o treino, a partir da formação. Esta era muitas vezes assumida pelos pais, que tomavam conta de pequenas equipas, e isso teria de mudar para permitir um produto final de muito maior qualidade.

Em novembro de 2015, havia na Islândia 196 treinadores com o curso UEFA-A, 639 com o UEFA-B e 13 com o UEFA-Pro. Um técnico qualificado por cada 500 islandeses, um rácio muito maior do que em Inglaterra, por exemplo, onde existe 1/10.000. A aposta foi total.

O exemplo do Breidablik

Paralelamente, um clube começou a destacar-se pela aposta na formação. Depois de ter construído o seu próprio espaço indoor, que alberga 2000 espectadores, ganhou um título em 2010, cinco anos depois de ter subido à I divisão. O Breidablik começou a ganhar a reputação de formar excelentes jogadores sub-14, e de lá saíram talentos como Gylfi Sigurdsson, Alfred Finnbogason e Gudmundsson, além da nova estrela dos sub-21 Oliver Sigurjonson, líder da próxima geração.

2011 trouxe mais um sinal do bom caminho. Os sub-21 qualificaram-se pela primeira vez para a fase final do Campeonato da Europa, depois de pelo caminho golearem a Alemanha, campeã em título, por 4-1.

Exportar talento e receber os dividendos

Faltava um terceiro passo. Ganhar experiência internacional, exportar jogadores, porque o campeonato islandês dificilmente conseguiria dar o traquejo necessário para fazer evoluir os jogadores a pensar na seleção. Sigthórsson saiu para o AZ Alkmaar, Aron Gunnarsson e Birkir Bjarnason para o Viking, todos com 17 anos. A estrela Gylfi Sigurdsson foi chamada a Inglaterra, para jogar no Reading, em 2005, com 16.

O crescimento da seleção começou a notar-se na qualificação para o Brasil, já com o experiente Lars Lagerbäck, que tinha levado a Suécia a cinco fases finais consecutivas, ao comando. Se cair à porta no play-off tinha deixado um travo a desilusão, a recuperação de 4-1 ao intervalo para um final 4-4 antes, na Suíça, acrescentara esperança e o rótulo de resiliência aos vikings.

Lagerbäck entretanto passou a liderar em conjunto com o dentista a part-time Heimir Hallgrímsson, que assumirá o cargo sozinho depois do abandono do primeiro após o Euro, e a fórmula – semelhante à que tivera na Suécia com Tommy Söderberg – melhorou a performance da equipa, com o apuramento direto a ser garantido.

Tolfán, o apoio do povo

A ligação com os adeptos também se tornou mais forte. Longe de ser o desporto nacional, o futebol tinha de crescer para recrutar entusiasmo, e foi o que aconteceu. O Tolfán, grupo de ultras de apoio à equipa nacional, cresceu e uniu equipa e população, tornando a primeira ainda mais forte.

Poderia pensar-se que o sucesso da Islândia seria resultado de uma geração espontânea, mas isso está longe de ser a verdade. E a prova está com a que se prepara para chegar, que está na corrida para novo Europeu e já bateu a poderosa França de Coman e Rabiot por 3-2, no ano passado.

Os Miúdos Indoor, como passaram a ser conhecidos, chegaram para ficar.

Resultados da fase de qualificação:

07-09-2014, Reykjavík, Islândia-Turquia, 3-0
10-10-2014, Riga, Letónia-Islândia, 0-3
13-10-2014, Reykjavík, Islândia-Holanda, 2-0
16-11-2014, Plzen, Rep. Checa-Islândia, 2-1
28-03-2015, Astana, Cazaquistão-Islândia, 0-3
12-06-2015, Reykjavík, Islândia-Rep. Checa, 2-1
03-09-2015, Amesterdão, Holanda-Islândia, 0-1
06-09-2015, Reykjavík, Islândia-Cazaquistão, 0-0
10-10-2015, Reykjavík, Islândia-Letónia, 2-2
13-10-2015, Bursa, Turquia-Islândia, 1-0

Confrontos com Portugal (e os outros):

Portugal e Islândia defrontaram-se apenas na fase de qualificação para o Euro-2012. A Seleção Nacional venceu os dois jogos, com Cristiano Ronaldo a bisar no triunfo em Reykjavik (1-3) e Nani a fazer o mesmo no 5-3 registado no Porto.

Frente à Hungria verifica-se um empate técnico em jogos a valer apuramento. Os nórdicos venceram os três primeiros embates e os húngaros os últimos três. Os seis jogos dividem-se pela qualificação para o Europeu (1 triunfo para cada lado, 2-2 em golos) e para o Mundial (2 vitórias para ambos, 8-7 favorável aos islandeses). Curiosamente, os quatro amigáveis, o último em 2011, foram todos ganhos pela Hungria (0-12). Nunca empataram, e os magiares venceram os últimos cinco confrontos sucessivamente.

A Islândia tem saldo desfavorável com a Áustria, que nunca venceram. Dois jogos na fase de qualificação para o Campeonato do Mundo de 1990 saldam-se num empate (0-0 em Reykjavik) e num triunfo da equipa austríaca (2-1) em Salzburgo. Em maio de 2014, já com os atuais selecionadores ao comando, defrontaram-se num amigável em Innsbruck que terminou empatado (1-1). Marcel Sabitzer inaugurou para a equipa de Marcel Koller, mas Kolbeinn Sigthórsson igualou.