«Somos El Pupas FC», desabafou o presidente Vicente Calderón ao ver como o seu Atlético deixava escapar por entre os dedos aquela Taça dos Campeões Europeus.

Aquele que hoje é o temível Atlético, adversário do Sporting nos quartos-de-final e grande candidato à conquista da Liga Europa, merece destaque neste espaço por um golo simbólico, que acabou com um enguiço de décadas.

A lenda nasceu no Heysel, em Bruxelas, frente ao Bayern de Munique, a 15 de maio de 1974, quando a 46 segundos do fim do prolongamento o central alemão Schwarzenbeck fez o 1-1, restabelecendo a igualdade apenas seis minutos depois de Luis Aragonés fazer um golo que parecia deixar os colchoneros agarrar com uma mão o troféu.

Sem penáltis, a final repetir-se-ia dois dias depois de novo na capital belga. Aí, o Bayern de Beckenbauer, Breitner, Hoeness e Müller arrumaria a decisão com uma goleada por 4-0.

Pupas é a versão castelhana de Papus, cognome de Gérard Encausse, galego de nascimento que no entre o final do século XIX e início do século XX se popularizou em França como mestre do esoterismo, estudioso do oculto.

Este epíteto passou a ser sinónimo dos maiores infortúnios. Azarado nos momentos decisivos, o Atlético abraçou, por vezes até com inesperado orgulho, a indesejada fama de perdedor, já que a história parecia querer fazer jus ao desabafo de Calderón.

«Que manera de subir e bajar de las nubes… Mi Atleti de Madrid!», como cantou no hino do centenário do clube Joaquín Sabina, compositor espanhol e ilustre adepto colchonero, onde se refere ao «Paseo de los Melancólicos», nome que sintomaticamente batizou a rua junto ao extinto estádio Calderón.

Hino do Centenário do Atlético de Madrid:

Apesar dos escassos momentos de felicidade, durante quatro longas décadas, como o doblete de 1995/96, o Atleti vivia na sombra do resplandecente e galáctico rival.

Desceu de divisão na viragem deste século e desde aí não voltou a vencer o Real: uma maldição que durou mais de 13 anos e meio, o equivalente a 25 dérbis consecutivos – 19 derrotas e seis empates frente ao Real Madrid…

Até àquela noite de 17 de maio de 2013.

Na verdade, a mudança havia começado um pouco antes, em dezembro de 2011, quando Diego Simeone, El Cholo (alcunha dada pela sua mãe) regressou ao Atlético de Madrid desta vez para assumir o papel de treinador.

A equipa do Manzanares passou de perdedora crónica àquela que não dava nenhum jogo por perdido.

Foi o que se viu naquela sexta à noite, de maio de 2013, frente ao Real Madrid de Cristiano Ronaldo e José Mourinho (recorde aqui a ficha de jogo).

A final da Taça do Rei estava marcada para o Santiago Bernabéu e o Atleti chegou a casa do rival com o peso de 25 dérbis sem vencer sobre os ombros. A simbologia de um condenado a caminho do cadafalso seria ainda mais acentuada quando, ainda antes do quarto de hora de jogo, Cristiano, de cabeça, colocou os merengues na frente.

A igualdade chegaria ainda antes do intervalo, com Falcao a trabalhar bem a meio-campo e a descobrir Diego Costa, que à entrada da área disparou cruzado de pé esquerdo.

Resumo do jogo:

O dérbi de nervos iria resolver-se no prolongamento. Tudo para voltar a correr mal, portanto.

Até que, no meio da penumbra, uma luz: o golo histórico surgiu aos 99 minutos pela cabeça de Miranda: Koke cobrou o canto na direita; a bola sai curta e Higuaín alivia; mas esta volta a sobrar para Koke, que insiste no cruzamento… E o central brasileiro surge nos céus, oportuno, a desviar de cabeça para o delírio colchonero no reduto do rival. 

Não é um golo de rara beleza. Todo ele é garra, insistência, luta, eficiência. Todo ele é «Cholo» Simeone. Um golo simbólico, como sublinharia o próprio Miranda, numa entrevista à Marca, em maio de 2017:

«Aquele golo mudou a história… Aquele triunfo marcou um antes e um depois: tirámos esse peso de cima, de nunca conseguirmos vencer o Real Madrid, e os dérbis passaram a jogar-se de forma diferente. O Atlético já não se sentia inferior a ninguém.»

O golo valeu pela simbologia e pela emoção: da equipa, dos adeptos, até dos ilustres, como o ídolo colchonero Paulo Futre, convidado pela TVE para comentar o jogo, não aguentou mais e gritou um golo que ecoou por Madrid inteira. E bem para lá da capital.

Ele mesmo havia marcado um golo de antologia que valeu ao Atleti o triunfo na Taça do Rei de 1992 (2-0 na final): também diante do Real Madrid; também em pleno Santiago Bernabéu.

O Atlético voltou a perder a final da Liga dos Campeões. E voltou a perdê-la contra o eterno rival: por duas vezes. No prolongamento de Lisboa (2014) e nos penáltis de Milão (2016). Mesmo assim, a lenda de El Pupas havia ficado enterrada lá atrás, a 17 de maio de 2013 no relvado do Bernabéu. O Cholismo vive.

Golo de Miranda e grito de Paulo Futre:

Artigo original: 01/04/18, 23h50