De um lado o Real Madrid da «Quinta del Buitre» e do goleador Hugo Sánchez, do outro o Cádiz de Jorge «Mágico» González, craque hondurenho, ídolo do futebol alternativo.

O cartaz da segunda mão dos quartos-de-final da Taça do Rei de 1986/87 era atrativo, mas nem assim atraiu público suficiente para cobrir sequer um terço da lotação do Santiago Bernabéu.

Acorreram a Chamartín 25 mil felizardos, que nessa tarde chuvosa estavam prestes a ver uma goleada de retumbante dos madrilistas sentenciada por um golo que entraria para a antologia do clube.

Emilio Butragueño marcou ao Cádiz um dos golos do século, escreveu a Marca. Exagero? Nem tanto assim.

Antes de mais, uma curiosidade: depois de muito dar nas vistas no satélite Castilla, o jovem Emilio fez a sua estreia absoluta na equipa principal do Real Madrid frente ao Cádiz, em 1984, pela mão de Alfredo Di Stéfano, outra lenda madridista: marcou dois golos e foi decisivo para a vitória merengue.

Três anos depois, Butragueño, já uma estrela na equipa comandada pelo holandês Leo Beenhakker, voltou a bisar frente ao Cádiz.

Depois de um nulo na primeira mão, Butragueño inaugurou o marcador logo a abrir a partida. Montero, de penálti, igualou para o visitante à passagem da meia hora, mas seguiu-se um bis de Hugo Sánchez em cima do intervalo (44’ e 45’), encaminhando a eliminatória.

Na segunda parte, Pardeza e Míchel – que com Sanchís e Martín Vázquez completavam a «Quinta del Buitre», quinteto de futebolistas formados no clube liderados por Emilio Butragueño – ampliaram o marcador para os merengues, até que no último minuto do tempo regulamentar chegou o momento mágico: um golaço de Butragueño a sentenciar a fechar o 6-1 e uma exibição de sonho.

O golo é uma obra de arte. Assim teria de ser para que ao fim de 31 anos, completados na última semana, ainda seja recordado como um dos melhores.

A jogada até se desenvolve de uma forma atabalhoada. Cruzamento, cabeceamento, pedido de falta, tentativa de remate, ressalto… Até que naquela batalha surge de branco com o número 7 no dorso aquele «Caballero de Honor», como canta o hino madrilista, pronto para decidir a contenda de forma arrebatadora e até cruel:

A bola fica sobre a direita à entrada da área do Cádiz e Butragueño começa o seu slalom triunfal. Adianta a bola e tira do caminho o seu marcador direto, dribla o defesa que se lhe segue, mas a aventura parece destinada a falhar quando se encontra junto à linha de fundo e com o guarda-redes Pedro Jaro a cobrir-lhe o ângulo de remate.

Sem saída aparente, Butragueño recorre ao seu génio e com ele inventa espaço com mais um drible sobre o guardião. Jaro fica prostrado no chão. «Buitre» (abutre, na alcunha) usa a argúcia para chegar à baliza até tê-la à mercê, qual presa, para a estocada final.

GOOOOOOOOOOOOL!!! HALA MADRID!!!

O Bernabéu mais parece a Monumental  de Las Ventas, mítica praça de touros da capital espanhola: nas bancadas, relatam as crónicas da altura, o público levanta-se, aplaude, agita lenços brancos e grita: «Torero! Torero!» Emilio sai de campo como um matador da arena, como se tivesse acabado de cortar um rabo e duas orelhas. Com o público rendido a seus pés, o chaval canterano, então já com 23 anos, saiu em ombros nessa tarde de quarta-feira. O golo tornou memorável aquela «Quarta del Buitre».

Real Madrid-Cádiz, 6-1: golo de Emilio Butragueño