Em Roma, sê… como Totti.

Entre as ruinas do grande império, Francesco é rei. Tão capitolino como o Coliseu, como a Fontana di Trevi, como o bairro de Monti, onde, bem lá escondida, num beco, surge a sua figura pintada num stencil que sobressai de uma parede vermelha e amarela – tantas vezes retocada quanto vandalizada, supostamente por adeptos laziale.

Já quarentão, em final de contrato e com um cargo de diretor à sua espera, Francesco está prestes a pendurar as chuteiras (embora ainda não seja oficial), um quarto de século depois da sua estreia como profissional sempre ao serviço da Roma.

Que história contar de uma carreira cheia do grande ídolo dos giallorossi? Entre muitas, uma. Do dérbi capitolino, naturalmente. O último golo do capitão romano frente ao perene rival da cidade eterna.

Jornada 18 da Serie A de 2014/15. Com a Juventus líder e a caminho de mais um scudetto, a corrida pelo segundo lugar fez-se entre os rivais da capital. No final da primeira volta, um frenético dérbi no Olímpico.

Na condição de visitante, a Lazio adianta-se no marcador e chega ao intervalo a vencer por 2-0.

Na segunda parte, Totti entra com mais vontade de mostrar serviço do que um jovem acabado de ser promovido à primeira equipa. E, a passe de Kevin Strootman, reduz aos 48’, ao surgir solto ao segundo poste para rematar cruzado para o fundo das redes.

A perder por 1-2, mas sentindo-se por cima, a Roma pega no jogo, controla a meio-campo e é num desses lances, aos 68’, que De Rossi passa para Holebas, que aparece junto à linha lateral: sobre o flanco esquerdo e com Candreva pela frente, o lateral grego domina, controla e cruza largo ao segundo poste…

Quem aparece? Totti, pois claro. Nas costas do albanês Lorik Cana e na cara do guarda-redes Federico Marchetti para num remate em acrobacia, desviar com o pé direito para igualar o marcador.

A Curva Sud entra em apoteose. 2-2 no dérbi! Bis de Totti…

Aos 38 anos, num rasgo de jovialidade como certificado do seu talento, executa com o primor dos seus tempos áureos.

O bis fez Totti chegar ao 11.º golo em duelos da capital, tornando-se no melhor marcador da história. Que melhor forma de celebrar o 40.º dérbi (de 44 na carreira)?  

Aqui entra a segunda parte desta Anatomia. Se o (segundo) golo é soberbo, é o festejo que o torna inesquecível.

Totti avança os placards publicitários, como tantas outras vezes. Abre os braços, cerra o punho e junto dos seus paisanos, põe um polegar na boca e com a outra mão usa o indicador para apontar para o céu. Um abraço coletivo da equipa em comunhão com os adeptos.

É aqui que surge o treinador de guarda-redes Guido Nanni com um telemóvel. Totti pede-lho… «Che fa?», ouve-se na locução, com espanto. «Vai mandar um sms... Uma selfie?!»

E ali está ele, o capitão eterno, o rei de Roma, com dezenas de milhares em redor e milhões a vê-lo pela TV a tirar uma foto em pleno estádio. Um beijinho para a câmara… click! E já está.

O gesto, de uma irreverência desconcertante, foi planeado durante semanas para imortalizar o 40.º dérbi, como revelou Totti:

«Tive mil ideias diferentes, mas aquela em que me foquei foi a de tentar captar a alegria da Curva Sud a celebrar.»

Guido guardou o telefone de Totti, quando ele entrou no relvado. O plano parecia gorar-se quando ao intervalo a Roma perdia por 2-0. No entanto, no segundo tempo, o «10» da Roma demorou três minutos a reduzir e só precisou de mais 15 para igualar em grande estilo.

Era o momento da celebração. Nanni correu para o herói e cumpriu a sua missão: entregou-lhe o telemóvel para que Totti tirasse uma das selfies mais famosas da história do futebol.

Um momento que inspirou tatuagens, memes e até um novo stencil para nova e icónica imagem do capitão sobre uma parede amarela e vermelha naquele beco do bairro romano de Monti.