Semana após semana são local de romaria. São palco para os artistas e tribuna para os espectadores de um dos espetáculos que mais mexe com as gentes. Aguentam saltos, gritos, lágrimas e sorrisos, em amálgamas de emoções tão instáveis quanto uma bola que rola mais para cá ou para lá. Todos lhes reconhecem a designação, mas poucos conhecem a história da figura por detrás e é por isso que vamos em busca da Anatomia de um nome.

Havia muito por onde escolher para começar este espaço que pretende ir vasculhar as histórias por detrás dos nomes dados aos palcos do futebol do nosso contentamento. Mas tínhamos de começar por algum e achámos justo ir por aquele que despertou a curiosidade inicial.

Foi no momento em que tomámos consciência de quem foi Mário Duarte que surgiu a vontade de saber mais sobre outros patronos do futebol.

Ora, vamos então saber quem foi o homem que tem associado a si o carinhoso (e saudoso) epíteto do velhinho estádio inaugurado bem no coração da cidade de Aveiro, em 1930?

Antes de mais, as informações básicas: Mário Ferreira Duarte nasceu a 7 de abril de 1869, em Anadia, e morreu a 9 dezembro de 1939, em Aveiro.

Nesse intervalo de 70 anos, foi um dos principais promotores do crescimento da prática desportiva no país e eleito em plebiscito promovido pelo jornal Tiro e Sport, em 1905, «o sportsman mais completo de Portugal», numa lista onde o segundo classificado foi… o Rei D. Carlos.

(Foto retirada do livro «Mário Duarte - O sportsman mais completo de Portugal»)

«Que todos fossem praticantes para merecerem ser espectadores»

E se falar em «mais completo sportsman» pode dizer pouco a quem nunca conheceu Portugal sem uma prática desportiva regular associada, é bom recordar as palavras que Ricardo Ornellas dedicou àquele a quem chamava «enorme colosso».

O ilustre jornalista a quem é atribuída a «expressão equipa de todos nós», relativamente à seleção nacional, era um defensor de Mário Duarte e dos «seus méritos em tantos aspectos e todos eles de tanto alcance (…) ficou a ser um dos poucos grandes pioneiros do Desporto em Portugal», escreveu.

Mais difícil é enumerar todos os desportos praticados por um homem que pode muito bem ter inventado o «ecletismo». Mário Duarte praticou «quase todas as modalidades conhecidas ao tempo», conforme sublinhou João Sarabando, jornalista aveirense que foi contemporâneo de Mário Duarte.

«Fulgiu no ciclismo, no ténis, no tiro, na tauromaquia, no futebol, na natação. Era também um magnífico ginasta e remador, sem deixar de ser esgrimista, jogador do pau e de golfe, lutador da modalidade greco-romana e halterófilo de merecimento», enumerou Sarabando, que dedicou à figura aveirense alguns artigos.  

Ainda sobre o homem nascido em Anadia e que chegou a Aveiro no final do século XIX para ocupar o cargo de administrador interino do concelho, João Sarabando elogia a preocupação sempre demonstrada em promover a prática desportiva, algo que encarou como uma causa durante quase toda a vida.

«Queria que, felizes, os atletas lutassem e vencesse o melhor, que neste nosso país, afinal, todos fossem praticantes para merecerem ser espectadores», definiu Sarabando.

Club Mário Duarte o primeiro rival… do Beira-Mar

As provas de admiração de Aveiro por Mário Duarte são, ainda hoje, várias. Além do estádio – que até tem os dias contados – há uma rua com o seu nome e em 2012 foi editado o livro Mário Duarte – o sportsman mais completo de Portugal, da autoria de Francisco Teixeira Homem.

Ainda assim, vão-se perdendo essas referências. Algo, aliás, que já aconteceu com o extinto Club Mário Duarte, fundado em 1904 como forma de homenagem aos valores defendidos pelo seu patrono.

E essa preocupação era tal, que o Capítulo I do primeiro artigo dos estatutos foi a atribuição da presidência honorária do clube a Mário Duarte, a figura da qual os fundadores queriam que os sócios do clube seguissem os conselhos e exemplo, conforme lemos no já referido livro.

A marca do homem que é avô paterno do poeta e político Manuel Alegre, porém, não se ficou por aqui. O nome de Mário Duarte surge como fundador do Ginásio Aveirense e do Grupo Futebolista Ilhavense, tal como da Associação de Futebol de Aveiro – que chegou a presidir -, mas também da União Velocipédica Portuguesa, que está na origem da Federação Portuguesa de Ciclismo e ainda nos primórdios do que viria a ser a Federação Portuguesa de Futebol.

Refira-se ainda, a título de curiosidade que a preocupação com a promoção da prática desportiva foi passada por Mário Duarte aos filhos, tendo o mais velho, Mário de Faria e Melo Ferreira Duarte, sido um dos fundadores e primeiro guarda-redes do Belenenses.

Mas qual é, então, a ligação de Mário Duarte ao clube que fez do estádio com o seu nome casa, durante quase sete décadas?

Ora bem, aqui volta a entrar em campo o Club Mário Duarte. É que o primeiro jogo do que viria a ser o Sport Clube Beira-Mar aconteceu no campo do Rossio, em Aveiro, no dia 25 de dezembro de 1921, e opôs o clube aurinegro ao Club Mário Duarte.

25 de dezembro de 1921? Isso mesmo, seis dias antes da fundação oficial do Beira-Mar, clube do qual Mário Duarte é presidente honorário desde 1930.

O que fez depois Mário Duarte pela instituição que herdou o nome de um bairro histórico de Aveiro foi, no fundo, o mesmo que fez pelo desporto em Portugal, mas muito particularmente na cidade dos canais: contribuir para o seu enraizamento e crescimento.

É por isso que, mais do que do Beira-Mar, a atribuição do nome de Mário Duarte ao estádio onde jogava o clube, foi uma homenagem da cidade de Aveiro. A oficialização da decisão de renomear o então Estádio Municipal foi feita em 1940, cerca de um ano após a morte de Mário Duarte. O resto é história e o Estádio Mário Duarte ficou eternizado no léxico do futebol português.

Artigo original: 24/9, 23h50