Semana após semana são local de romaria. São palco para os artistas e tribuna para os espectadores de um dos espetáculos que mais mexe com as gentes. Aguentam saltos, gritos, lágrimas e sorrisos, em amálgamas de emoções tão instáveis quanto uma bola que rola mais para cá ou para lá. Todos lhes reconhecem a designação, mas poucos conhecem a história da figura por detrás e é por isso que vamos em busca da Anatomia de um nome.

«Em determinado momento do jogo, Adelino Ribeiro Novo, no seu estilo destemido, saiu aos pés do atacante salvando gloriosamente o golo adversário. Porém, não evitou o choque violento que lhe atingiu o baço e provocou-lhe uma fatal hemorragia interna.»

É comum no futebol falar-se na «defesa de uma vida» quando um guarda-redes evita de forma espetacular um golo do adversário.

O caso de Adelino Ribeiro Novo, porém, é distinto. Em 1945, o jovem guarda-redes do Gil Vicente fez a defesa que lhe ceifou a vida.

Aproveitando o regresso anunciado do Gil Vicente, mas também o facto de o clube de Barcelos ter comemorado 95 anos de existência no passado dia 1 de maio, o Maisfutebol foi em busca da história do nome inscrito no percurso do Gil Vicente, e que guarda tantas memórias do futebol nacional.

Aquele a que, como prova de carinho popular, acrescentaram o epíteto «velhinho».

Isso mesmo, esta semana voltamos a abrir as portas do «Adelino Ribeiro Novo.»

Recorde a viagem «Pelas ruas de Barcelos à boleia da promessa do regresso do Gil à Liga»

É verdade que a ditadura do futebol moderno impede o mítico estádio barcelense de voltar à ribalta, uma vez que o velhinho foi substituído pelo mais moderno Estádio Cidade de Barcelos. Mas isso não é razão para deixarmos de o visitar.

Até porque, como podemos perceber no parágrafo que abre este texto, é de dedicação que fala a história de Adelino Ribeiro Novo.

Adelino Ribeiro Novo equipado como guarda-redes do Gil Vicente

Gil Vicente: um amor desde sempre… para sempre

Adelino Passos Ribeiro Novo nasceu em 1921, em Barcelos, pois claro, e consta que a ligação ao Gil Vicente se iniciou desde muito cedo.

Ainda criança, Ribeirinho, como também era conhecido, iniciou-se no Gil Vicente, clube no qual fez toda a carreira até chegar à equipa sénior ainda muito novo, conciliando a carreira desportiva no clube da terra, com um emprego no comércio local.

Com um talento incomum para a época, era considerado, «o melhor guardião da província do Minho», segundo o jornal Correio do Minho, citado por Joaquim da Silva Gomes, colunista daquele jornal, espaço de onde retirámos também a descrição do lance fatal que abre este texto.

«Ele era o mais novo de três irmãos, todos eles com ligações desportivas, o irmão João jogou com ele e o José Ribeiro Novo foi árbitro, e chegou a ser presidente da Assembleia Geral do Gil Vicente», recorda o professor Ilídio Torres, em conversa com o Maisfutebol.

É, aliás, graças ao trabalho deste antigo atleta e dirigente do Gil Vicente e autor do mais recente livro da história do clube barcelense: «Gil Vicente Futebol Clube – Bodas de Diamante», de 1999, que conhecemos melhor a história da figura gilista.

Ele que nos garnate que Adelino Ribeiro Novo era alguém muito querido por todos em Barcelos: «a cidade toda estremeceu com a sua morte».

«Além dos atributos e qualidades demonstradas como atleta, era uma figura muito grata, espírito simples e trato afável. Motivo pelo qual a sua morte ficou para sempre marcada no sentimento dos barcelences, sendo o seu nome dado ao campo onde sempre jogou», lê-se no livro já citado.

Mas afinal, como se deu o trágico acontecimento?

Naquele 16 de setembro de 1945, o Gil Vicente, então na III divisão nacional, recebeu o Desp. Aves num jogo particular, disputado no então Campo da Granja, casa dos gilistas.

O lance fatal já descrito aconteceu perto dos dez minutos de jogo, quando Adelino Ribeiro Novo saiu aos pés do avançado avense, Armando Moreira de Sá, que não conseguiu evitar o choque com o guardião. Depois de receber assistência médica ainda no campo, o jovem guarda-redes acabou por não resistir à hemorragia interna provocada pelo choque.

Equipa do Gil Vicente com Adelino Ribeiro Novo em baixo, à direita

A merecida homenagem que se revelou talismã

Como é fácil de perceber, o fim trágico na defesa do símbolo do Gil Vicente fez com o que o nome Adelino Ribeiro Novo nunca mais fosse esquecido em Barcelos.

Em novembro de 1987, na sequência das obras de beneficiação do Campo da Granja, que entre outras valências passou a ser relvado, foi mudado o nome do estádio, eternizando então o nome de Adelino Ribeiro Novo.

Recorde o «espírito» que se vivia no Adelino Ribeiro Novo

Coincidência ou não, na primeira época completa em que o Gil Vicente fez os seus jogos em casa no Estádio Adelino Ribeiro Novo, o clube subiu pela primeira vez na história ao principal escalão do futebol nacional.

Refira-se ainda que, com a passagem do Gil Vicente para o Estádio Cidade de Barcelos, o velhinho Adelino Ribeiro Novo passou a ser a casa da formação e continua a receber alguns treinos da equipa principal, que este ano competiu no Campeonato de Portugal.

Artigo original: 06/05; 23h50

Leia outros Anatomia de um nome:

1. Mário Duarte, o rival que se tornou indissociável do Beira-Mar

2. Sánchez-Pizjuan: apontou o Sevilha aos títulos e democratizou-o na ditadura

3. José Alvalade: acima do Sporting, só a ambição pelo ecletismo

4. Antonio Vespucio Liberti: o pai que ergueu um templo Monumental ao River

5. Vidal Pinheiro abriu o Salgueiros à democracia e foi apagado da história

6. José Gomes, o «louco» que se tornou bandeira do Estrela da Amadora

7. Vicente Calderón evitou a humilhação e «sentou» o Atl. Madrid no topo

8. Almeida Freitas, o chefe de família que teceu a história do Moreirense

9. Johan Cruijff: o órfão acolhido pelo Ajax que se tornou casa do clube

10. Abril, o mês que (também) mudou a história de estádios de futebol