Ele decidiu continuar por aí, ainda que numa espécie de reforma antecipada no México, aos 34 anos. Mas enquanto houver Ronaldinho em campo com uma bola, a ilusão vive. E leva a memória a viajar por dias como este. 19 de novembro de 2005, quando o Santiago Bernabéu se levantou das bancadas para aplaudir o Barcelona. Na verdade, para aplaudi-lo a ele, Ronaldo de Assis Moreira. Antes de Ronaldinho, a memória recorda apenas uma ovação do Bernabéu a um jogador do Barcelona. Era Diego Maradona, aconteceu em 1983.

Ronaldinho, aquele a quem chamaram o último romântico, génio puro, malandro, vivia por aqueles tempos a sua era de ouro. Melhor do mundo para a FIFA em 2004, ganharia a Bola de Ouro da France Football, no tempo em que os dois prémios coexistiam, uma semana depois desta noite no Bernabéu. Voltou a receber o prémio da FIFA nesse ano, 2005.

O Barcelona chegava ao Bernabéu como campeão. Muita expectativa em volta do clássico, como sempre, mas as atenções não se centravam tanto em Ronaldinho. O  Real Madrid, com Vanderlei Luxemburgo ao volante do Ferrari, tinha juntado a então grande promessa Robinho à constelação de galáticos. Antecipava-se o duelo entre duas estrelas em ascensão: Robinho do lado do Real e um tal de Lionel Messi, apenas na segunda época no plantel principal do Barcelona.

E Ronaldinho roubou a cena. Foi Etoo quem inaugurou o marcador, aos 15 minutos, depois o 10 tomou o palco. Marcou o primeiro golo aos 58 minutos e, quando assinou o segundo, um novo raide pela esquerda concluído com uma finalização de veludo, o estádio passou do choque à vénia.

Primeiro uma mão cheia de adeptos, depois mais e ainda mais, levantaram-se e juntaram-se num aplauso ao génio. A seguir, muitos deles abandonaram o estádio, virando costas à equipa, vergada àquele 3-0 de escândalo, um dos resultados-choque da história do clássico no Bernabéu, pelo menos antes do 6-2 de 2009.



Dias depois do jogo, o jornal «As» falava com um desses adeptos, Juan Sanchez Gomez, mais de 25 anos de sócio do Real Madrid, que descrevia uma reação misto de admiração e orgulho ferido. «A maior parte das pessoas fez o mesmo que eu! Estávamos no Bernabéu, não no Camp Nou. Com todo o respeito do mundo, mas aqui não atiramos garrafas nem cabeças de leitão», dizia: «Este estádio aplaudiu Maradona vestido como Ronaldinho.»

«Levantei-me para aplaudir um jogador extraordinário, a quem daria duas Bolas de Ouro», continuava: «Claro que o 0-3, os aplausos e os golos de Ronaldinho se juntaram para penalizar o Real, mas antes de mais está a admiração por um desportista extraordinário.»

Eram tempos conturbados em Madrid, o mito dos Galáticos tinha pés de barro. Vanderlei Luxemburgo seria afastado apenas um mês mais tarde e três meses depois seria o próprio Florentino Perez a demitir-se, perante o óbvio falhanço do seu projeto.

Quanto a Ronaldinho, seguiu, ele e o seu sorriso que é imagem de marca, para uma época de sonho no Barcelona. A equipa blaugrana orientada por Frank Rijkaard, que tinha Deco e também um então jovem Iniesta, na génese do todo-poderoso Barça de Pep Guardiola que iria marcar os anos seguintes, revalidou o título de campeão de Espanha e venceu a Liga dos Campeões nessa época, 2005/06.

As equipas daquele Real Madrid-Barcelona (0-3) da Liga espanhola 2005/06:

Real Madrid: Casillas; Michel Salgado, Sergio Ramos, Helguera, Roberto Carlos; Beckham, Pablo García (Baptista, 66m), Zidane, Raúl (Guti, 58m); Robinho e Ronaldo.

Barcelona: Víctor Valdés; Oleguer, Márquez, Puyol, Gio; Xavi, Edmilson, Deco; Ronaldinho, Messi (Iniesta, min. 69) e Etoo.