A imagem fez esta semana 48 anos, passou quase meio século desde o salto para o futuro de Bob Beamon mas ainda menos anos do que os centímetros que ele tirou ao recorde do mundo do comprimento naquele dia no México: 55 centímetros é a medida daquela que entrou direitinha para o topo das proezas mais incríveis da história do desporto. Lá continua, e continuará.

Foto: Comité Olímpico Internacional

8.90 metros. Passaram mais de 20 minutos entre o salto e o momento em que a marca apareceu no quadro do estádio. O sistema de medição ótica que tinha sido introduzido para os Jogos Olímpicos de 1968 não era suficientemente comprido para conseguir medir a distância a que Beamon saltou. Foi preciso recorrer à velha e boa fita métrica.

Quando naquela tarde de 18 de outubro de 1968 o quadro eletrónico mostrou a marca de 8.90 metros, Beamon não compreendeu de imediato, porque não estava habituado ao sistema métrico, mas a medir os saltos em pés e polegadas, como no sistema imperial, usado pelos norte-americanos.

Quando o compatriota Ralph Boston lhe explicou, Beamon caiu de joelhos e entrou em colapso, fisico e psicológico. Foi consolado pelos adversários, noutra das grandes imagens que fica daquele dia.

Bob Beamon, norte-americano de Queens, 22 anos, chegava aos Jogos Olímpicos de 1968 como favorito, depois de uma grande época. Mas tinha concorrência de peso, entre ela os dois recordistas mundiais da altura, Ralph Boston e o soviético Igor Ter-Ovanesyan. Ambos tinham atingido os 8,35m.

Mas Beamon quase falhou a final. Na qualificação os dois primeiros saltos nulos. E foi Ralph Boston quem lhe deu o conselho que faria a diferença: «Salta cedo!» Boston era rival de Beamon, mas também seu mentor e treinador oficioso. O jovem Beamon tinha sido suspenso pela universidade do Texas quatro meses antes dos Jogos Olímpicos, por se ter recusado a competir contra a universidade de Brigham, uma organização mormon e que Beamon dizia ter princípios racistas. Então, Boston passou a treiná-lo, de forma oficiosa.

Beamon saltou para a final e preparou-se para tudo. De forma algo peculiar, como viria a contar mais tarde. Na noite antes da final, estava muito nervoso e então a forma que encontrou para descontrair foi... beber uns shots de tequilla. E ainda fazer sexo com a namorada, como revelou na sua autobiografia, «The man who could fly»: «Cometi o pecado capital no desporto.»

E deu no que deu. Beamon conseguiu aquele salto do outro mundo logo no primeiro ensaio na decisão. Fez tudo bem, uma corrida muitíssimo rápida – essa era uma das características que o distinguia -, salto no tempo certo, enorme elevação.

E sim, teve fatores ambientais a ajudar. A altitude da cidade do México, 2.240 metros que tornam o ar mais rarefeito que ao nível do mar, e ainda vento no limite, 2.0. E ainda um clima de tempestade que, dizem os especialistas, também ajuda a tornar o ar, por assim dizer, mais leve. Aliás, a final do salto em comprimento acabou mais cedo, pouco depois do gigantesco salto de Beamon, porque começou a chover.

Mas ninguém que tenha noção do que estava em jogo reduz o feito de Beamon apenas às condições ambientais. A reação dos rivais naquele dia diz tudo. «Comparado com isto, nós somos crianças», disse Ter-Ovanesyan.

Foi a tempestade perfeita, tudo a conjugar-se para um momento irrepetível.  

A marca de Bob Beamon durou quase 23 anos. Ele próprio nunca voltou a aproximar-se sequer daqueles 8,90 metros e em 1973 seguiu a via profissional. Pelo meio formou-se em sociologia e ainda seria insolitamente escolhido para o draft da NBA (!) pelos Phoenis Suns, em 1969. Nunca chegou a jogar na Liga norte-americana de basquetebol e ao longo tem-se dedicado ao atletismo, mas também a trabalho comunitário com jovens, sendo também pelo meio criador de arte gráfica: está ligado à organização «Art of the Olympians», que reune trabalhos de vários antigos atletas olímpicos.

O recorde de Beamon só foi batido uma única vez. Em 1991, pelo norte-americano Mike Powell, naquela que foi a melhor final de sempre da disciplina, um duelo para a história entre Powell e Carl Lewis nos Mundiais de atletismo de Tóquio. Nessa decisão, por sinal também num ambiente atmosférico de trovoada, Lewis chegou a saltar 8.91 metros, a primeira vez que alguém batia a marca de Beamon, mas não valeu para efeitos de recorde por o vento medido ultrapassar os limites. E depois Powell saltou 8.95 metros.

Passaram 25 anos e ninguém fez nada parecido. O mais próximo foi 8.74 metros, marca alcançada pelo norte-americano Dwight Phillips em 2009.

O recorde do comprimento é desde sempre uma história de longevidade. Jesse Owens bateu-o em 1935, colocando a marca nos 8.13m, e esse registo só foi superado 25 anos mais tarde, por Ralph Boston, com 8.21 metros. Nos oito anos que se seguiram teve evoluções curtas, até aos 8.35 em que estava antes de Beamon.

Beamon ainda detém o recorde olímpico, 48 anos depois. E ninguém parece perto de atingir a sua marca e ainda menos a de Powell. O norte-americano Jeff Henderson foi campeão olímpico em 2016 com 8.38 metros.