(Artigo originalmente publicado a 30 de março de 2016)

A imagem mostra o adeus ao City Ground do maior. Brian Clough, o homem que levou o Nottingham Forest da segunda divisão ao título inglês no primeiro ano e a seguir ganhou uma Taça dos Campeões Europeus e depois mais outra. Por estes dias que nos levaram a lembrar personalidades grandes e singulares, os dias em que nos despedimos de Johan Cruijff ou nos lembrámos de Quinito, vale também a pena lembrar Clough. Tão diferentes entre si mas únicos. Gente que abre horizontes. De cada vez que o mundo ameaça tornar-se mais pequenino, é ainda mais imperativo lembrarmo-nos deles. E de ideias e de feitos que quebram a ordem dos dias e nos alargam o mundo. 

A foto da Reuters que serve de mote a este artigo representa um início pelo fim. Era Maio de 1993, o final da carreira de um homem há muito numa espiral descendente, preço de uma vida excessiva. Já doente, Clough não voltou aos bancos. Morreu em 2004. Quanto ao Forest, descia naquele dia de novo à segunda divisão, ao fim de dezasseis anos no topo. Desde então o clube onde está agora o português Nélson Oliveira só voltou a estar na Premier League em quatro ocasiões, a última das quais em 1999.

A propósito de vistas curtas, aliás. O Forest, o clube que teve Brian Clough durante 18 anos, prepara-se por estes dias para comemorar os 150 anos. E um dos eventos que programou foi um jantar de gala, previsto para 2 de maio. A preços proibitivos para a esmagadora maioria dos adeptos. Alguns dos protagonistas da equipa mítica do Forest preparam-se para boicotar o jantar. Colin Barrett, antigo defesa da equipa bicampeã europeia, explicou assim ao «Guardian» a sua indignação: «Como podem justificar celebrar 150 anos de história de um clube e decidir transformá-lo numa noite de elite que deixa de fora tantos adeptos? Os preços começam nas 150 libras (qualquer coisa como 190 euros) mais IVA, é escandaloso. Isto deixa de fora 99,9 por cento dos adeptos.»

O mundo está sempre a ameaçar tornar-se mais pequeno, mais mesquinho. Portanto, sim. Vamos lembrar gente, ideias e exemplos que não o deixam fechar-se.

O homem que se despedia do Forest nesta tarde de maio de 1993 tinha vivido os últimos 18 anos no City Ground. Muito antes disso já tinha surpreendido a Inglaterra em 1972, quando fez do Derby County campeão e chegou a uma meia-final da Taça dos Campeões Europeus. Já tinha chocado o mundo com a passagem-furacão pelo Leeds, 44 loucos dias que acabaram com um despedimento em setembro, romantizados no filme «Damned United».

Já tinha dado à mitologia do futebol histórias e frases que davam para encher muitas vidas. Este é o homem que, muito antes de José Mourinho, dizia coisas como esta: «Não diria que sou o melhor treinador que existe. Mas estou no top 1.» Ou esta: «Roma não se fez num dia. Mas não era eu que estava nesse trabalho.» E, claro, esta, a resumir a sua passagem pelo Forest: «O rio Trent é lindo. Eu sei, porque caminhei sobre ele nos últimos 18 anos.»

Brian Clough chegou em janeiro de 1975 a Nottingham, com a equipa a meio da tabela na segunda divisão. Ao fim de ano e meio subiu como campeão, já com outra das personagens principais da sua história em campo: Peter Taylor, adjunto e a sua metade futebolística.

Foi essa dupla que começou a construir uma equipa de heróis improváveis. A história foi contada, muito bem contada agora, num documentário lançado em Inglaterra no outono, com estreia em pleno City Ground, que recorda a construção dessa equipa e a sua alegre caminhada até à conquista da Taça dos Campeões Europeus de 1979. Chama-se «I believe in miracles», Acredito em milagres, e junta testemunhos de muitos dos protagonistas, entrevistas de Clough daquele tempo, muitas imagens e muitas histórias.

Em paralelo com o filme há um livro, com o mesmo nome e que tem prefácio de José Mourinho, faz sentido. Numa conversa a propósito do livro com Daniel Taylor, autor e jornalista do «Guardian», Mourinho contou que a sua citação favorita de Clough é aquela em que ele diz a um amigo: «Frank Sinatra? Sim, ele conheceu-me.»

O filme tem tantas mais histórias sobre Clough. Como contratou jogadores por quem ninguém dava muito, como converteu um avançado discreto como Kenny Burns num central de alma e coração, como regateou o contrato com John McGovern, dizendo-lhe apenas isto: «Ainda me devias pagar para te livrares do Leeds.» Como, já na reta final da corrida para o título europeu, quebrou o recorde inglês de transferências ao gastar um milhão de libras para contratar Trevor Francis, que viria a marcar o golo que valeu a Taça dos Campeões Europeus na final frente ao Malmoe.

Leicester, a sequela

O filme conta também como os «homens-milagre» de Clough eram olhados com desconfiança ao longo da sua caminhada improvável. Primeiro para o título inglês, no ano em que subiram à primeira divisão.  Quando vai rebentar a bolha do Forest, questionava-se na imprensa naquela temporada de 1977/78. Não rebentou.

A história do Forest é fantástica, mas felizmente o futebol ainda consegue recriar, muito de vez em quando, uma sequela. Ainda agora, em Inglaterra. O Leicester, pois, a equipa que há um ano andava a lutar para não descer e agora chega a abril na frente da Premier League, com cinco pontos de vantagem. A bolha do Leicester também não rebentou ainda. 

Os paralelismos com o Forest são inevitáveis. Pela improbabilidade que é uma equipa vir de trás e ganhar tudo, também pela coincidência geográfica. São dois clubes da região leste do centro de Inglaterra, das East Midlands. Rivais históricos, aliás.

Não há no Leicester a loucura contagiante do génio de Clough, mas há o mesmo entusiasmo, uma equipa que acredita em si própria e se alimenta dessa crença. Há a reunião de uma série de jogadores por quem ninguém dava muito e que, juntos, são muito mais que a soma das partes. Peter Shilton, o homem da baliza do Forest de Clough, é um dos que encontra semelhanças entre as duas equipas. «Vejo paralelismos. Têm uma base defensiva muito sólida», disse à «Sky Sport» Shilton, que compara ainda Riyad Mahrez a John Robertson como referência de criatividade e talento e diz que, além disso, o Leicester tem Vardy, um goleador como o Forest nunca teve.

Será que o Leicester vai conseguir? E se conseguir, será uma proeza maior do que a do Forest de Clough em 1978? A discussão já se faz em Inglaterra, do lado do sim com o argumento de que é hoje em dia muito mais difícil um clube pequeno superar não um, mas vários gigantes do futebol mundial, como está a fazer o Leicester. É uma discussão que, como muitas das que no futebol procuram comparar tempos e contextos tão diferentes, não terá uma resposta definitiva. Mas é, também, uma grande história. Das que ajudam a fazer o mundo menos pequeno.