Se há imagem com história. O momento em que Andrés Iniesta levou Dani Jarque para a final do Mundial, na celebração do golo que valeu um Campeonato do Mundo. Muito para lá do futebol.

«Dani Jarque siempre com nosotros», a mensagem que naquele dia Iniesta pediu aos roupeiros da seleção que escrevessem na sua camisola interior, evocava o amigo, ex-companheiro das seleções de Espanha, capitão do Espanhol. Jarque morreu em agosto de 2009, aos 26 anos, durante o estágio de pré-temporada em Florença, vítima de ataque cardíaco.

Iniesta levou a sua memória para a África do Sul. Onde chegou vindo de um lugar escuro. Foi ele quem quis falar disso seis anos mais tarde, na autobiografia que escreveu com dois jornalistas, Ramon Besa e Marcos Lopes, «La Jugada de mi vida». Nunca fala em depressão, mas não precisa de dar o nome ao que descreve.

O verão de 2009, a ressaca do ano de ouro do Barcelona, na primeira temporada com Pep Guardiola no banco. A vitória na Liga dos Campeões, com o golo de Iniesta no empate épico em Stamford Bridge na meia-final, a conquista da Liga espanhola e da Taça do Rei. «Tudo começa depois de ter vivido aquele que devia ter sido o verão mais glorioso da minha carreira», conta Iniesta.

«De repente começas a sentir-te mal. Sem saber porquê, mas um dia estás mal. E no dia seguinte também. E assim, dia após dia, não melhoras. O problema é que não sabes o que realmente está a passar-se. Fizeram-me um monte de exames. Estava tudo bem. Mas o meu corpo e a minha mente desencontram-se, separam-se», segue a descrição: «A bola torna-se cada vez maior. Estás mal e as pessoas que te rodeiam não entendem. E o Andrés que toda a gente conhece está a ficar vazio por dentro.»

Iniesta estava com o Barça em digressão pelos Estados Unidos. Procurou ajuda junto dos médicos do Barcelona. E nisto, a morte de Dani Jarque. Soube por Puyol. «A partir daí começou a minha queda livre até um lugar desconhecido. Vi o abismo. Foi quando disse ao médico: «Não posso mais...» Não sei como explicar, mas percebi que, quando o corpo e a mente estão numa situação tão vulnerável, és capaz de fazer qualquer coisa. Não sei se soa demasiado forte, mas «entendo», entre aspas, as pessoas que em dado momento cometem uma loucura.»

O livro também conta como Guardiola soube o que se passava e lhe deu o espaço de que precisava: «Quando sentires algo estranho, sais. Não peças autorização. Pegas e sais do treino.»

Iniesta procurou ajuda. «Quando precisas de ajuda tens de a procurar: às vezes é preciso. É para isso que existem os especialistas», disse por ocasião da publicação do livro ao «Guardian»: «Nunca cheguei ao ponto de dizer: «Vou desistir.» Percebi que estava a passar um momento delicado mas refugiei-me nas minhas pessoas e, acima de tudo, no futebol. Nunca senti que não queria continuar a jogar. Sabia que um dia havia de dar um passo em frente, talvez três no dia seguinte, depois cinco. É um processo e é assim que se ultrapassa.»

E então chegou o verão de 2010 e aquele momento de catarse em Joanesburgo.

Sim, Howard Webb mostrou cartão amarelo a Iniesta por tirar a camisola, mas isso não entra sequer para a pequena história.

O golo valeu o Mundial e imortalizou na História um enorme jogador, a homenagem a Dani Jarque dá a dimensão de um homem. Reforçada pelo relato cru e sincero que quis fazer daqueles tempos escuros que viveu.

Iniesta começa a despedir-se, em primeiro lugar do Barcelona, agora e sempre é tempo de reconhecimento. Que continue a ecoar o tributo que adeptos e jogadores do Espanhol lhe prestaram em dezembro de 2010, quando foi substituído no dérbi no El Cornellá com o Barça a vencer por 5-1.

 

Artigo original: 29/04, 23h50