Gelsenkirchen, 26 de maio de 2004. Foi há 14 anos que o FC Porto foi campeão da Europa pela segunda vez, 31 anos menos um dia depois da primeira: Viena, 27 de maio de 1987. Na foto de família cabe a imensa festa daquela equipa que marcou uma época de sonho no Dragão, a equipa que conquistou a Taça dos Campeões Europeus um ano depois da Taça UEFA. E não cabe José Mourinho: ele não andou nas celebrações no relvado do Arena Aufschalke, uma das histórias paralelas que fazem a História com letra grande.
O FC Porto chegava à Alemanha depois de uma caminhada que teve o ponto alto em Manchester, na eliminação do United. O adversário da final era o ainda mais outsider Mónaco, na que foi a última vez até hoje em que os protagonistas da final escaparam à ditadura das grandes ligas da Europa.
Estava ao alcance do FC Porto, uma máquina de competição moldada por Mourinho nos últimos dois anos e meio. Uma equipa que iria terminar um ciclo, com a saída do treinador que já todos adivinhavam, e que queria terminá-lo com uma última grande vitória, a maior de todas.
Mourinho já era um fenónemo de popularidade internacional. Uma das imagens que fica do arquivo da agência Reuters daqueles dias é esta foto tirada ao treinador em pleno avião no voo para Gelsenkirchen.
Depois do sono tranquilo de Mourinho, a final. Gelsenkirchen, uma cidade pequena do vale do Ruhr, foi o cenário do sonho. Pintou-se de azul e branco, foram adeptos de Portugal, foram também muitos emigrantes. Houve arraial e sardinhas assadas no centro da cidade no dia da final, para quem não se lembra.
A seguir, o jogo. Na sala de imprensa de Gelsenkirchen, já depois da vitória, Mourinho contava que as últimas palavras que disse aos jogadores antes de entrarem em campo foram estas: «Este dia nunca o iremos esquecer, havemos de ser velhos e contá-la aos filhos e aos netos. É melhor ficar com uma recordação eterna do que um sabor amargo, uma sensação estranha para o resto da vida.»
Em campo, depois de algum equilíbrio inicial, o FC Porto cresceu e foi superior. Aos 39m, Carlos Alberto, o menino de 19 anos que tinha sido aposta de Mourinho, recebeu um centro de Paulo Ferreira e marcou o golo que definia o caminho.
Na segunda parte o FC Porto confirmou a vitória, tranquila. Não sem antes Mourinho fazer sair Carlos Alberto, já com um amarelo.
Entrou Alenitchev, para selar a noite em estilo. Na combinação com Deco para o 2-0, aos 71m, quatro minutos depois na corrida para assinar ele próprio o 3-0 final.
O FC Porto ficou com a tal recordação eterna de que falava Mourinho.
Carlos Alberto ficou com a bola. Ainda a tem, numa espécie de museu daquele título que guarda em casa, como contou ao Globoesporte.
Tantas histórias. Vítor Baía, por exemplo. A época em que se tornou o único português a ganhar as três grandes competições europeias (Taça dos Campeões, Taça UEFA e Taça das Taças, esta com o Barcelona), foi também aquela em que ficou fora do Euro 2004, banido por Scolari.
A convocatória definitiva já tinha saído, Baía já tinha digerido a ausência. «Só posso dizer que fiz tudo o que estava ao meu alcance. Um guarda-redes que esteve dois anos a este nível em qualquer parte da Europa estaria entre os eleitos, mas só há uma pessoa que pode responder a isso. Agora vou esperar sinceramente que Portugal possa ser campeão da Europa», dizia o guarda-redes, depois de ter festejado intensamente no relvado.
Mourinho não andou na festa, juntou-se à família no final, antes de assumir, nas entrevistas depois do jogo, que estava mesmo inclinado a aceitar o convite do Chelsea. Queria mais. «Como treinador tenho que continuar a fazer mais. Não me imagino daqui a 10 anos sem ter ganho mais nada», disse na sala de imprensa de Gelsenkirchen.
Artigo original escrito a 27 de maio de 2014