Três mãos na extremidade de três fatos, três gravatas e três sorrisos de circunstância a agarrar a Taça do Mundo. Aqui abaixo, outra versão do mesmo momento acrescenta a expressão imperdível de Joseph Blatter. O presidente da FIFA entre o representante do Qatar e o da Rússia, a dividirem a taça que simboliza o Campeonato do Mundo, o retrato para a posteridade do dia em que a FIFA foi longe de mais. Há muito por trás desta foto e não é bonito.



A FIFA foi longe geograficamente, para territórios novos no mapa do Campeonato do Mundo do futebol, essa era a narrativa simpática que se vendia por aquela altura. Mas sobretudo longe na ganância, na sua lógica enraizada e sistémica de tráfico de influências e, assume-se agora, corrupção. Fez cinco anos a 2 de dezembro que a FIFA atribuiu a organização do Mundial 2018 à Rússia e de 2022 ao Qatar.

Recuando àqueles dias, Zurique era o centro do mundo. Jogava-se muito, naquela que era já de si uma ocasião sui generis. A FIFA decidiu abandonar a lógica de rotação de continentes, impondo apenas restrições aos dois últimos organizadores, e decidir sobre dois Mundiais de uma vez. Quase todas as potências mundiais quiseram entrar na corrida, num processo que começou por ser para ambos os Mundiais mas, a certa altura, se dividiu: 2018 seria para a Europa, 2022 para o resto do mundo.

Basta recordar imagens de quem saía dos automóveis que paravam à entrada da sede da FIFA ou quem circulava pelos corredores naquele dia 2 de dezembro de 2010 para ter uma ideia do que estava em jogo. Os Estados Unidos tinham, entre outros, Bill Clinton.



Em representação da Inglaterra, o príncipe William, David Cameron e David Beckham.



Aqui, ainda, Jerome Valcke a receber José Sócrates e Jose Luis Zapatero, primeiro-ministros de Portugal e Espanha, em nome da candidatura ibérica.



E também recordar quem não estava. Por exemplo Vladimir Putin. O presidente russo decidiu não ir a Zurique, a explicação oficial foi que não queria «pressionar a FIFA».

Ou quem estava por trás. Foram 11 as candidaturas iniciais, ficaram nove a e corrida foi intensa desde cedo, com cada candidatura a reunir apoios e a chamar a si pesos pesados. O Qatar, recorde-se, teve como embaixadores Pep Guardiola ou Zinedine Zidane.

Dinheiro, muito dinheiro a correr, muitas forças poderosas em choque e, desde cedo, suspeitas. Nos dias que antecederam a decisão vários meios de comunicação britânicos deram conta de suspeitas de venda de votos por parte de membros do Comité Executivo da FIFA, órgão responsável pela decisão, a própria candidatura ibérica esteve sob investigação por causa de um alegado pacto de troca de votos com o Qatar.

Chegou 2 de dezembro e, ao fim de várias rondas de votações, o anúncio. Os vencedores eram Rússia e Qatar. A eleição do Mundial 2018 teve duas voltas e a Inglaterra nem passou da primeira. Para 2022 foram precisas quatro rondas de votação, até à vitória final do Qatar ( veja aqui como foi a votação).

À perplexidade pelas escolhas seguiram-se os indícios ensurdecedores de que havia muito mais por trás daquela foto e que desta vez o ruído não ia morrer, no meio também de uma luta de poder dentro da própria FIFA. 

As suspeitas de compra de votos ganharam corpo, sustentadas em denúncias e acusações mais ou menos anónimas. A FIFA tentou passar a ideia de que estava a fazer algo.  Em 2012 anunciou a criação de uma Comissão de Ética e encarregou-a de investigar os processos de 2018 e 2022. Pelo meio avançou com algumas suspensões e afastamentos. Depois, quis fazer-nos crer que a investigação não tinha encontrado nada de muito grave. Isto enquanto o homem que a conduziu, o norte-americano Michael Garcia, se afastava do processo.

A mudança nunca viria de dentro. Mas alguma coisa está a acontecer. Isso ficou claro quando, em maio de 2015, a polícia suíça invadiu o hotel onde estavam os membros do Comité Executivo que iriam eleger daí por dois dias o novo presidente da FIFA, com vitória anunciada para Joseph Blatter. Por trás está uma investigação sedeada nos Estados Unidos, focada em suspeitas de corrupção centradas em dirigentes e negócios no continente americano. Mas há igualmente uma investigação da justiça suíça a decorrer e as suspeitas já fizeram cair Blatter e arrastaram Michel Platini.