Antes de Cristiano Ronaldo e Messi, Pelé e Maradona. Escolher «o» melhor é uma discussão sem fim. Mas houve um dia em que a FIFA quis chegar a um nome, quis encontrar «O Jogador do Século». Deu tal confusão que a gala que que pretendia fixar um marco na memória do futebol redundou numa farsa. Não um, mas dois prémios. Cada um deles sozinho em palco, e Maradona nem esperou para ver Pelé receber o troféu. A imagem da Reuters que lança esta história mostra o mais perto que os conseguiram juntar naquela noite, na plateia.

Há 16 anos o mundo vivia a febre do milénio. 2000 foi o ano de todos balanços, de todas as eleições. E a FIFA também se juntou à onda, propondo-se eleger o melhor jogador do século XX. Começou por decidir fazê-lo através de uma votação online aberta, a partir de uma lista de 27 candidatos: Roberto Baggio, Franz Beckenbauer, George Best, Bobby Charlton, Johan Cruijff, Didi, Di Stefano, Eusébio, Just Fontaine, Garrincha, Maradona, Matthaus, Stanley Mathews, Bobby Moore, Gerd Muller, Pelé, Platini, Puskas, Rivaldo, Ronaldo, Romário, Van Basten, Weah, Yashine, Zico, Zidane e Zoff.

A algumas semanas da gala, marcada para 11 de dezembro de 2000, vazou a informação de que estava encontrado o vencedor. Diego Armando Maradona.

A coisa azedou. Aos protestos do Brasil por não estar no topo o «Rei» Pelé juntaram-se os argumentos de que uma eleição online, num tempo em que a internet estava muito longe de ser tão universal como é hoje, beneficiava alguém mais jovem como Maradona, mais o embaraço da FIFA perante a perspetiva de distinguir Maradona, longe de ser uma personagem exemplar ou de bem com as estruturas do futebol, na reta final da carreira e nos tempos que se seguiram.

Então, a FIFA de Joseph Blatter piorou tudo. Pois. Primeiro, sugeriu-se que se dividisse o século em três. Assim, Pelé receberia um prémio, Maradona outro e, imagina-se, o terceiro seria para Di Stefano, que estaria também entre os mais votados. A proposta partiu de Julio Grondona, então presidente da Federação argentina.

Os dois candidatos, que alimentaram desde sempre uma animosidade com altos e baixos, meteram-se ao barulho. Maradona ameaçou não ir à gala. «Se as pessoas votaram em mim, este prémio é meu. Que não inventem mais coisas para tirá-lo de mim.»

E Pelé puxou dos galões. «Para falar comigo, Maradona teria de falar primeiro com Sócrates, Tostão, Rivelino, Zico...», disse o brasileiro numa entrevista à «Globo» em que ainda acrescentava mais duas glórias argentinas à lista, incluindo «El Charro», figura do futebol albiceleste nos anos 40 e 50: «Depois de falar com eles, devia pedir licença a Di Stefano ou Moreno.»

A uma semana da gala, e para baralhar ainda mais a conversa, a FIFA anunciou que iria entregar um prémio de Jogador da década. Sem explicar se estava a falar de algo novo, ou se esta nova nomenclatura anulava a distinição do jogador do século.

Estávamos nisto quando, na véspera da gala, Blatter apareceu com a solução salomónica que a FIFA tirou da cartola. Não um, mas dois prémios. Um para o Jogador do Século «Votação internet» e outro para o Jogador do Século «Família do futebol».

Maradona ganharia o troféu da votação online e Pelé um prémio que combinava votos dos subscritores do magazine da FIFA e ainda do Comité de futebol do organismo.

Assim foi. No dia da gala Maradona foi o primeiro a ser chamado ao palco, depois de Blatter ter tomado a palavra para justificar a decisão com o argumento de que o acesso à internet ainda era naquele tempo limitado e sem dimensão global. E recebeu o prémio da votação online, com esta expressão para a posteridade.

Depois foi-se embora, não esperou para ver Pelé subir ao palco. O brasileiro foi o último a ser chamado, para a consagração da gala que também atribuiu os restantes prémios anuais. Foi no ano em que Zidane ganhou o troféu para o Melhor do Mundo, à frente de Luís Figo. O português venceu nesse ano a Bola de Ouro da France Football, num tempo em que os dois prémios eram separados. Como voltaram a ser este ano.

Maradona ganhou claramente a votação online, com 53 por cento dos votos, contra 18 de Pelé. O terceiro, para quem não se lembra, foi Eusébio. Foram mais de 6 por cento dos votos, depois de muita gente se ter mobilizado em Portugal para fazer uma força pelo «Pantera negra».

Na eleição da «Família do futebol», Pelé ganhou com 72 por cento dos votos, Di Stefano foi segundo com 9 por cento e Maradona terceiro com 6 por cento. A votação completa está aqui, recuperada pela Wikipedia.

Sem consenso possível, portanto.

Voltando àquela noite em Roma, Maradona foi-se embora mal recebeu o prémio. «Tive o voto do povo. Não gostei de ter subido ao palco antes de Pelé. Peguei no meu prémio e fui-me embora», disse, deixando de caminho uma série de dedicatórias: «Ao povo argentino, a Fidel Castro, à minha mulher Claudia e a todos os jogadores do mundo de que gosto e respeito. As pessoas votaram em mim. Sinto-me bem, sereno.»

É difícil encontrar quem tenha saído bem nesta fotografia. Ruído em cima da memória do muito que jogou cada um deles. Tal como as embirrações entre Maradona e Pelé, que vão e vêm e fazem há muito parte do folclore do futebol. Em 2005, quando Diego estreou um programa na televisão argentina, o seu primeiro convidado foi o «Rei» brasileiro. Ainda este ano voltaram a estar juntos em Paris, num evento comercial a propósito do Euro 2016.

No tal programa de 2005, Maradona recebeu cordialmente Pelé e atalhou assim a conversa sobre quem foi afinal o melhor de sempre: «A minha mãe diz que fui eu e mãe do Pelé diz que foi ele.»