A imagem faz 15 anos em dezembro. 2004, um jovem Santi Cazorla a festejar um dos seus primeiros golos europeus. Em Belgrado, ao Partizan, para a então Taça UEFA. Tinha 19 anos e o futuro pela frente. Vale a pena recordá-la agora para chegar aqui. Cazorla chegou ao topo, teve tudo em risco, esteve quase dois anos parado e voltou, como antes. O que passou e a forma como regressou é uma das grandes histórias da época. E para lá disso. Ele está aí de novo, aos 34 anos outra vez figura de um Villarreal bipolar que segue na Europa, mas luta para não descer na Liga espanhola.

É a sua história que dá ainda mais força à imagem do momento.

Cazorla em lágrimas à saída do Benito Villamarin na noite deste domingo, depois do penálti que falhou nos últimos minutos, desperdiçando frente ao Betis um ponto precioso na luta pelo futuro do Villarreal na Liga. «Ninguém me vai tirar o sentimento de culpa que tenho, mas vou-me levantar com os meus companheiros e com toda a família Villarreal», disse.

Cazorla e o Villarreal é uma história que vem de longe. Nascido nas Astúrias, começou a jogar no Oviedo mas mudou-se para Villarreal ainda junior. Subiu à equipa principal ao fim de dois anos e na primeira época, 2004/05, foi figura da equipa que terminou a Liga na terceira posição, venceu a Taça Intertoto e chegou aos quartos de final da Taça UEFA. Menos utilizado na temporada seguinte, sairia para o Huelva, mas com uma opção de recompra. Foi a referência de um Recreativo que fez em 2006/07 uma das suas melhores épocas de sempre, foi eleito melhor jogador da Liga nessa época pela revista Don Balón, à frente de um tal Lionel Messi. 

No final da temporada voltou mesmo a La Cerámica, para mais quatro temporadas que o levaram até à seleção espanhola. Foi campeão da Europa em 2008, não esteve no Mundial 2010 mas voltou para levantar de novo o troféu no Euro 2012.

Deixou o Villarreal em 2011, depois de uma época que terminou com o quarto lugar na Liga e a meia-final da Liga Europa, perdida para o FC Porto. O clube desceria de divisão na temporada seguinte, uma época que ele passou no Málaga, antes de sair para a Premier League, numa transferência precipitada pela crise financeira do Málaga.

Os primeiros anos em Londres foram felizes. Uma primeira grande temporada, com 12 golos marcados, seguida de um papel importante na conquista da FA Cup que terminou com uma longa seca de títulos para os Gunners. Fez mais de 40 jogos em cada uma das três primeiras épocas. Depois começaram os problemas. Já vinham de trás, na verdade. Tudo começou numa pancada sofrida num particular da seleção com o Chile, em 2013, uma fissura no tornozelo.

Mas no início Cazorla não deu importância, queria continuar a jogar. Ainda teve um outro problema num joelho que o manteve afastado mais de metade da temporada em 2015/16. E ainda começou a jogar com regularidade na época seguinte. Até àquele 19 de outubro de 2016. Saiu lesionado de um jogo com o Ludogorets, já não dava para gerir as dores. «Nessa noite chorei. Era de mais. Tinha de parar. Então começaram os problemas», contou numa entrevista ao «Guardian» em que faz um relato impressionante daquilo que passou.

A lesão não curava e piorou. No hospital contraiu uma infeção, uma bactéria que se alimentava da sua carne, aos poucos, sem que ninguém conseguisse identificá-la. Com a perna gangrenada e em risco de amputação, já não era o futebol que estava em jogo. Foi o que chegaram a dizer-lhe os médicos em Inglaterra: «Disseram-me: «Não se preocupe em jogar futebol, concentre-se em voltar a ter uma vida normal, poder jogar com o seu filho ou sair para dar um passeio.»

En novembro de 2017, mais de um ano depois de Cazorla ter estado pela última vez em campo e antes de o médio ser submetido a uma nona operação, Arséne Wenger dava a medida da gravidade da situação. «Lesão de Cazorla é a pior que já vi», disse o então treinador do Arsenal.

Cazorla voltou a Espanha e ao fim de uma dezena de cirurgias e muito trabalho de recuperação em Salamanca, longe da família, começou finalmente a ver uma luz ao fundo do túnel. Para tratar a ferida, que lhe tinha comido oito centímetros do tendão de Aquiles, foram precisos vários enxertos. «Sou um puzzle», brincava nessa entrevista ao «Guardian». Tirou pele do braço, onde tinha uma tatuagem com o nome da filha, Índia, que ficou cortado. Decidiu deixá-la assim, como tributo ao que passou.

O contrato com o Arsenal chegou ao fim no verão passado, sem que tivesse voltado a jogar pelos «Gunners». No verão começou por treinar em Salamanca e depois no Villarreal, primeiro apenas para retomar a forma, segundo anunciou o clube.

Voltou a jogar ao fim de 636 dias, 21 meses, num particular com o Hercules. E assinou mesmo pelo clube onde tudo começou. A 9 de agosto foi apresentado com o entusiasmo que o momento merecia. Magia, disseram.

E voltou. Como antes. Uma regularidade que poucos julgariam possível, 38 jogos até ao início de abril, 24 deles a titular. Seis golos marcados, dois deles no empate de janeiro com o Real Madrid, uma grande exibição ainda na semana passada no épico jogo com o Barcelona (4-4).

Depois do que passou, vive tudo mais intensamente. «O medo e o respeito estão sempre lá. Temos mais presente no dia a dia poder desfrutar de cada momento. Isso faz com que desfrute mais do que antes», dizia há uma semana à Cadena Ser. Foca-se no presente e é por isso, diz, que também não quis falar ainda sobre o futuro ou a renovação com o Villarreal.

«Não planeio negociar nada porque a primeira coisa a fazer é salvar a equipa. Não há nenhum jogador mais importante que o clube. Falar agora sobre o contrato parece-me uma falta de respeito pelo que o clube está a passar», disse na mesma entrevista.

Numa época de instabilidade diretiva, com duas mudanças de treinador que incluíram a saída e o regresso menos de dois meses depois de Javier Calleja, o Villarreal está nesta altura em zona de descida, a sete jornadas do fim. Ainda que seja uma equipa totalmente diferente na Liga Europa, onde tem feito uma campanha notável, sem derrotas nos 10 jogos da época, numa campanha em que já eliminou o Sporting e que terá novo capítulo a partir de quinta-feira, no arranque do duelo espanhol dos quartos de final com o Valencia.

Cazorla merece um final feliz, mas na verdade ele já ganhou. A admiração e reconhecimento que demonstra por exemplo esta mensagem do Betis nas redes sociais, depois do jogo de domingo, dizem tudo.