Eintracht, Dortmund e Estugarda empatados antes do pontapé de saída para a 38ª e última jornada de 1991/92. Vantagem para os de Frankfurt pela diferença de golos. O país parado, na expetativa. Loucura.

A cinco minutos dos apitos finais nos três palcos do último fôlego da Bundesliga – Leverkusen, Rostock e Duisburgo –, os três candidatos ainda podem vir a chamar-se Deutsche Meister, mas é o Dortmund – que esteve à beira da despromoção seis anos antes e não ganha o troféu desde 1963 – que segue na frente nesse sprint final. Vence por 1-0, a 55 quilómetros de distância de Leverkusen, em Duisburgo, enquanto os outros dois rivais permanecem empatados.

Terá de haver photofinish!

Daí a escassos segundos e depois de muito sofrimento será o Estugarda, já reduzido a dez e a tentar de tudo para chegar ao golo que lhe falta, que fará a festa.

Tantos obstáculos, mas muita vontade

O Estugarda só é campeão se vencer em Leverkusen, o 1-1 só chegará se os outros perderem. Mas os jogos não estão para isso. Nem por sombras. Está tudo aberto a cinco minutos, mais descontos, do fim.

Aos 86 minutos, 1-1. Um penálti, qual deles o mais polémico, convertido para cada lado. Que intensidade!

O Bayer marca primeiro, por Martin Kree, aos 20 minutos, castigando-se mão na grande área. O Estugarda responde dois minutos antes do intervalo, também dos 11 metros, pelo seu goleador: Fritz Walter.

Depois de muitas cautelas, o encontro está aberto, ao rubro. A equipa de Christoph Daum sobreviveria a uma oportunidade flagrante dos rivais para o 2-0 e seria beneficiado com um castigo máximo por uma falta sofrida fora da área.

Günther Schäfer ficaria famoso por um pontapé de bicicleta, em cima da linha de golo da sua baliza, em que arrisca inclusive uma lesão grave.

A igualdade, conseguida de forma tão dramática como tinha surgido a desvantagem, dá aos de Daum o ímpeto necessário para o assalto à baliza dos locais na segunda parte. Um autêntico massacre, que garante certamente ao guarda-redes Rüdiger Vollborn a exibição da carreira. Markus Van Ahlen também se desdobra em cortes. E mais cortes.

Logo tu, Sämmer?

A 600 quilómetros, em Rostock, é negado ao Eintracht um penálti indiscutível, algo que vinha a ser recorrente nas últimas semanas. Cheira a esturro para muitos.

Matthias Sämmer, que realiza o último jogo ao serviço do Estugarda, deixa-se levar pelo momento. Protesta um amarelo, e acaba a ver o vermelho. Que desespero! Aos 79 minutos, e com a sua equipa a um golo do título, o Estugarda parece arrumado de vez.

Contudo, os jogadores recompõem-se depois do choque. A quatro minutos do fim, Kogl lidera a segunda vaga do ataque pela esquerda e dispara um cruzamento para a área. O veterano Guido Buchwald, único resistente do primeiro título em 1984, fica para trás, esperançado em que o golo lhe caia do céu. Cai. Mesmo em cima da cabeça.



Um novo capítulo no futebol alemão e para o... Dortmund

O Estugarda só liderara a Bundesliga em duas semanas, mas festeja mesmo, com toda a Alemanha a ver extasiada, no primeiro ano com transmissões televisivas regulares em direto.

O segundo título dos Die Roten abre um novo capítulo da Bundesliga, com Werder Bremen e Kaiserlautern a conseguirem também o título nos anos seguintes. Nessa época, o Bayern termina em 10º, e fica sem as maiores fatias da distribuição dos direitos televisivos.

Já o Dortmund, segundo da tabela, qualifica-se para a Taça UEFA e chegará à final, com os compatriotas também apurados a serem eliminados bem cedo e a deixarem ainda mais dinheiro disponível para o reforço do plantel. Em 1997, sob o comando de Ottmar Hitzfeld e com o português Paulo Sousa nas fileiras, conquistará a Liga dos Campeões.
 
FICHA DO JOGO

Estádio Ulrich-Haberland (atual Bay Arena), em Leverkusen
16 de maio de 1992
Resultado final: 1-2
Árbitro: Hans-Peter Dellwing

BAYER LEVERKUSEN – Rüdiger Vollborn; Jorginho, Jürgen Radschuweit, Christian Wörns, Martin Kree e Markus von Ahlen; Andreas Fischer (Josef Nehl, 76), Ioan Lupescu e Andrzej Buncol; Marek Lesniak (Heiko Herrlich, 76) e Andreas Thom
Treinador: Reinhard Saftig
 
ESTUGARDA – Immel; Andreas Buck, Günther Schäfer, Uwe Schneider, Slobodan Dubajic e Michael Frontzeck; Guido Buchwald, Matthias Sammer e Ludwig Kögl; Maurizio Gaudino (Eyjölfur Sverrisson, 81) e Fritz Walter (Manfred Kastl, 81)
Treinador: Christoph Daum
 
Disciplina: cartão amarelo a Andrzej Buncol e a Andreas Thom. Cartão vermelho a Matthias Sammer (79).
Golos: 1-0, Martin Kree (20, gp), 1-1, Fritz Walter (43, gp); 1-2, Guido Buchwald (86)

Os últimos minutos do encontro: 
 

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ANATOMIA DE UM JOGO é uma rubrica de Luís Mateus ( @luismateus  no Twitter), que recorda grandes jogos de futebol do passado. É publicada de três em três semanas na  MFTotal  .