O apito soa, e à quinta parece finalmente já não haver dúvidas: o Real Madrid é mesmo a melhor equipa do mundo! Até o «Times» o sugere na edição seguinte. O 7-3 deixa o assunto arrumado.

O encontro esteve inicialmente em dúvida, uma vez que a federação alemã impedia os seus clubes de participarem em jogos contra equipas onde jogasse Ferenc Puskás, depois de o húngaro ter acusado a seleção alemã de ter usado doping no Campeonato do Mundo de 1954. Puskás tem de pedir desculpas por escrito para que o jogo pudesse ter lugar.

Num Hampden Park cheio, com 134 mil alminhas nas bancadas, entre os quais um Alex Ferguson de apenas 18 anos e ainda futebolista amador, Di Stéfano e Puskas dividem entre si os sete golos de um conjunto blanco que cilindra por completo outra máquina de marcar golos, o Eintracht Frankfurt – na meia-final, tinha despachado o Rangers com 12, seis em cada mão (6-1 e 6-3). 

O embate começa, no entanto, com os alemães por cima. O guarda-redes do Real, Rogelio Domínguez, é obrigado a momentos de bravura nos primeiros minutos, e evita que Erwin Stein e Richard Kress cheguem rapidamente à vantagem. Aos 18 minutos, no entanto, nada pode fazer. Kress inaugura o marcador.

Festival de futebol em Glasgow, com Di Stéfano em grande.

Como se tivesse tocado finalmente o despertador, a avalanche blanca chega pouco depois. À passagem da meia-hora já Di Stefano leva dois golos (27 e 29 minutos), para depois Puskás também escrever, pela primeira vez, o seu nome na lista de marcadores. O Major Galopante assina o 3-1 ainda antes do intervalo.

«Foi realmente incrível. Todos nos apercebemos no próprio dia que estava a acontecer algo muito especial» (Francisco Gento)

O Eintracht, sem verdadeiras unidades defensivas no seu meio-campo, aparenta ser demasiado permissivo. A bola chega vezes sem conta a Francisco Gento, que ultrapassa vezes sem conta, sobre a esquerda, o pobre Friedel Lutz. Está descoberta a chave da final. É por ali.

Não, contudo, é um jogo sem polémica, e um penálti discutível de Hans Weilbacher sobre Gento dá o bis a Puskas e o 4-1 aos espanhóis. Aos 56, é uma sentença demasiado pesada para o Eintracht. O húngaro faz mais dois no quarto de hora seguinte e tudo está decidido.

Por cansaço ou gestão, os madridistas abrandam finalmente. Stein reduz para 6-2 aos 72 minutos, antes de Di Stéfano chegar ao hat-trick. Um mau atraso é depois interceptado por Stein, que volta a bater Domínguez para estabelecer o resultado final.

Os jornais coroam o Real Madrid com melhor equipa de então.

Alfredo Di Stéfano é o primeiro e único jogador a marcar em cinco finais consecutivas. Ferenc Puskas o primeiro e único a conseguir um poker numa final. O Real Madrid torna-se a primeira e única equipa a conquistar cinco Taças dos Clubes Campeões Europeus. Tudo somado, é um dos mais entusiasmantes e apaixonantes jogos de todos os tempos.

O Real não voltará a ser o mesmo. Di Stéfano e Puskas estão a envelhecer e, apesar de chegar a mais duas finais em quatro anos, os madridistas serão derrotados pelo Benfica e pelo Inter de Milão. Nenhuma outra equipa dominará o futebol da mesma forma.

O jogo completo:

FICHA DO JOGO

Real Madrid-Eintracht Frankfurt, 7-3
Final da Taça dos Clubes Campeões Europeus
18 de maio de 1960, Hampden Park, Glasgow, Escócia
Árbitro: Jack Mowatt (Escócia)

REAL MADRID - Domínguez; Marquitos, Santamaría e Pachín; Del-Sol, Zárraga e Vidal; Canário, Di Stéfano, Puskás e Gento

EINTRACHT - Loy; Lutz, Eigenbrodt e Höfer; Weilbächer e Stinka; Lindner e Pfaff; Kress, Stein e Meier

Marcadores: 0-1, Kress (18); 1-1, Di Stéfano (27); 2-1, Di Stéfano (29); 3-1, Puskás (45); 4-1, Puskás (56, de gp); 5-1, Puskás (60); 6-1, Puskás (71); 6-2, Stein (72); 7-2, Di Stéfano (73); 7-3, Stein (75) 

O cartaz oficial do jogo.

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ANATOMIA DE UM JOGO é uma rubrica de Luís Mateus (@luismateus no Twitter), que recorda grandes jogos de futebol do passado. É publicada de três em três semanas na MFTotal.