Quartos de final da Liga dos Campeões, 23 de abril de 2003. San Siro, que é como quem diz Giuseppe Meazza, em Milão, norte de Itália. Na primeira mão, em Amesterdão, os holandeses tinham garantido um nulo, que lhes continua a dar esperança perante um dos colossos do Velho Continente, onde mora um português: um tal de Rui Costa, muitos anos o fantasista da Fiorentina, e agora regista na equipa treinada por Carlo Ancelotti.

É um Ajax a tentar retomar o caminho do sucesso aquele que viaja para Itália. Não tem sido uma década particularmente famosa para o emblema histórico de Amesterdão – tricampeão europeu na década de 70 e uma vez mais em 1994-95 precisamente frente ao Milan, com uma geração de jogadores fabulosos, que incluía nomes como Patrick Kluivert, Edgar Davids, Clarence Seedorf, Marc Overmars, Frank Rijkaard, Frank de Boer e os estrangeiros George Finidi e Jari Litmanen. Conseguiu apenas uma dobradinha, em 2002. Continuará, tememos, no mesmo tom depois da passagem em Milão, mas, apesar de tudo, é um Ajax ainda capaz de produzir jovens talentos como Wesley Sneijder e Rafael van der Vaart, e de seduzir jovens promissores como Zlatan Ibrahimovic e Steven Pienaar. Litmanen também está de volta. E é Ronald Koeman quem tem de unir todas as pontas, a partir do banco.

A baliza é ocupada por um romeno, também ele uma aposta de futuro. Chama-se Bodgan Lobont, e acabou de regressar de empréstimo ao Dínamo Bucareste, onde adquiriu a experiência necessária para assumir a baliza dos holandeses. É ele quem assina uma das melhores defesas de sempre da competição nesta noite em Milão, revelando todo o potencial que possui.

Só que a vida de um guardião de um clube holandês nesta altura não é nada fácil, sobretudo perante um adversário como o Milan. Os italianos tentam o assalto à baliza. Lobont é obrigado a concentração máxima. A bola ameaça sair de várias direcções. Pisica, o gato em romeno e que se inspira em Peter Schmeichel, dá pequenos passos para um e outro lado, preparando-se para um remate que não surge. A bola chega a Cristian Brocchi à entrada da área, e o médio remata. Com tanta gente à sua frente, o desvio é inevitável. A tabela faz a bola voar para o ângulo superior esquerdo. Lobont salta, voa e dá uma sapatada para longe, caindo quase de pé contra as malhas laterais. Dentro? Fora? É um voo impossível, mas acaba de ser feito. O 0-0 mantém-se.

O Milan ganhará por 3-2.

Pippo Inzaghi faz o 1-0 aos 30, depois de um delicioso passe de Rui Costa a desmarcar o assistente Shevchenko sobre a direita.

Litmanen empata aos 63. 2-1 para Shevchenko dois minutos depois, novamente de cabeça, após cruzamento com desvio de Inzaghi. Segue-se nova igualdade por Pienaar, aos 78, a passe de Ibra.

Lobont vai brilhando. Ainda defende com os pés uma primeira tentativa de 3-2 perante o isolado Sheva. No entanto, é já com Rui Costa trocado por Fernando Redondo, que Jon-Dahl Tomassson evita, nos descontos, o apuramento dos holandeses e qualifica a sua equipa. Lobont já nada mais pode fazer. A sua defesa tinha valido mais do que um golo, mas mesmo assim o Milan marcara três.

Os rossoneri  ganharão a Liga dos Campeões semanas depois, em Old Trafford, no desempate por penáltis frente à Juventus. A magnífica defesa de Lobont não tem peso histórico, mas continua a ser uma das melhores de sempre da competição milionária.

Fiorentina, novamente o Dínamo Bucareste e a Roma são os restantes clubes da carreira de Pisica Lobont, que ainda continua nos dias de hoje. Não sem parecer, no entanto, que aquela e outras grandes intervenções que assinou ao longo dos últimos anos mereciam um currículo bem mais recheado.

Veja a grande defesa:

O resumo do jogo de San Siro:

Outras anatomias:

Peter Schmeichel, 26 anos depois de Gordon Banks

Lobont ficou aquém de uma carreira brilhante.