A terceira semana de março fica assinalada em letras de ouro na carreira de José Costa. A poucos dias de completar 32 anos, o internacional português conquistou no dia 13 o seu primeiro troféu no andebol francês – a Taça da Liga – ajudando o Montpellier a bater na final o todo-poderoso PSG, a equipa de andebol com maior orçamento mundial, acima dos 16 milhões de euros.


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Três dias depois, o «pivot» formado em Braga, nos escalões do ABC, foi titular em novo triunfo para a Liga francesa, em casa do Ivry (25-30), marcando dois golos e conquistando um livre de sete metros logo nos primeiros minutos. O entusiasmo esteve perto de subir para patamares estratosféricos já que, no último sábado, a sua equipa ficou a três segundos de bater o pé aos fortíssimos alemães do Flensburg, campeões europeus em 2014, perdendo por um golo na primeira mão dos oitavos de final da Liga dos Campeões.

O próprio José Costa reconhece que o mergulho a fundo na alta-roda do andebol internacional surge numa fase inesperada da carreira: não é frequente um jogador estrear-se numa das melhores Ligas mundiais já depois dos 30 anos, para mais tendo feito – à exceção de uma passagem por Espanha, em 2009/10 – quase todo o trajeto numa Liga pouco valorizada na Europa, entre ABC e Benfica.

Mas, no último verão, terminado o vínculo com os encarnados, a oportunidade surgiu: após 20 dias a trabalhar no duro, veio o contrato por uma época, com mais uma de opção, no clube francês de maior palmarés – e numa Liga altamente profissionalizada, mediatizada e competitiva. «Jogar numa Liga de topo sempre foi a minha ideia, mas confesso que já não esperava. Aos 31 anos parecia-me complicado, sinceramente achava que já era uma idade avançada para me estrear a este nível, depois de algumas propostas noutros anos que, contra minha vontade, não pude aceitar», admite ao Maisfutebol. «Mas vim à experiência e, felizmente, consegui convencer o treinador de que era um elemento válido para reforçar a equipa», conta.

Em treino com os novos colegas (foto: facebook de José Costa)

Deixar o conforto da Liga portuguesa representou pôr tudo em causa, tanto no plano pessoal como no desportivo. A viver sozinho, sem falar francês, José Costa contou com o apoio de dois companheiros (o brasileiro Felipe Borges e o argentino Diego Simonet) para acelerar a integração na equipa. Porque, por mais anos de experiência que se tenha, um salto de qualidade como o da Liga portuguesa para a francesa provoca sempre alguma insegurança, tamanha é a diferença de exigência, admite o português: «É apaixonante, ainda há poucos dia comentava com os meus ex-colegas: voltei a jogar como quando tinha 18 anos. Todos os dias percebes que o teu máximo não chega e que afinal esse ainda não é o teu máximo. Sentir que estou a evoluir em alguns aspetos de jogo, aos 31 anos, é espetacular e inesperado, está a ser incrível», entusiasma-se.

Em concreto, o «pivot» do Montpellier aponta as principais diferenças: «A quantidade de jogos equilibrados é muito maior, o calendário é muito mais pesado e torna-se difícil manter os níveis de concentração no máximo, de três em três dias. A primeira impressão que tive foi a de que é sempre preciso fazer tudo bem para se poder ter um mínimo de sucesso», explica.

Foi nessa fase de insegurança que teve aquele que identifica como o pior momento, logo em setembro: «Num jogo com o Dunkerque, muito equilibrado, logo à segunda jornada, entrei com o colete perto do fim, para tentarmos uma situação de superioridade numérica, e falhei o remate. Se tivesse marcado empatávamos». A confiança manifestada pelo técnico Patrice Canayer foi fundamental nesses primeiros tempos, quando o português tentava ganhar minutos em campo: «Nos momentos menos bons sempre acreditou no meu trabalho, disse-me várias vezes se te escolhi é porque sei o que vales. Trabalha e mantém-te tranquilo», conta.

Em ação pelo Montpellier (foto: Facebook de José Costa)

Aos poucos, o desafio de convencer adeptos e colegas foi sendo superado. E em fevereiro chegou o ponto de viragem, num jogo para a Taça com o St. Raphael, um dos maiores rivais do Montpellier: «Duas semanas antes tínhamos perdido com eles e quando os recebemos era quase um acerto de contas. Nesse jogo entrei cedo, fiz 4/4 em remates, consegui dois livres de sete metros, e fiz um dos meus melhores jogos em França. Senti-me bastante útil à equipa», conta acrescentando uma evidência para quem está familiarizado com o jogo: «Outra das batalhas que travei foi a de ganhar a confiança dos colegas, porque no andebol para se meter a bola num pivot, bem no meio da defesa, é preciso que se acredite nele», explica. Duas semanas depois, a vitória sobre o PSG na final da Taça da Liga confirmava o crescente à-vontade do internacional português no seu novo ambiente.

E Portugal?

Quando compara a realidade da Liga francesa com a rotina nos jogos em Portugal, o ambiente nos pavilhões é uma das diferenças mais óbvias: «O público tem um impacto enorme, mas para melhor. Aliás, em França, o acompanhamento das modalidades – não só do andebol – é incrível. Os pavilhões estão sempre cheios, e isso dá muito mais prazer do que a pressão que cria», conta, a propósito da experiência de jogar sistematicamente perante 3 ou 4 mil espectadores, ou até 7 mil, como foi o caso na final da Taça da Liga, diante do PSG.

Mas se José Costa – como os colegas de seleção Wilson Davyes (Cesson-Rennes, também da Liga francesa), Tiago Rocha (Wisla Plock, da Polónia) ou João Ferraz (HSG Wetzlar, da Bundesliga) - subiu a pulso os degraus que conduzem à elite do andebol europeu, a modalidade em Portugal tarda em seguir o exemplos dos seus jogadores mais cotados.

Apesar de sinais animadores, como o bom desempenho do FC Porto nesta edição da Liga dos Campeões e a presença regular de ABC, Benfica ou Sporting nas fases mais adiantadas da Taça Challenge, a seleção continua ausente das fases finais e a Liga mantém-se há vários anos sob o domínio implacável de um só clube, o FC Porto. José Costa acha que há um caminho a ser feito: «Já temos alguns jogadores em campeonatos de topo, mas ainda não são muitos. Há qualidade em Portugal para sermos mais e, quantos mais formos, mais fácil será o crescimento da seleção. De qualquer forma, acredito neste apuramento com a Islândia, temos muito boas chances de vencê-los (N.R.: play-off de apuramento para o Mundial 2017, em junho). E se estivermos na próxima fase final, podemos começar a fazê-lo de forma mais regular», diz, acrescentando: «Eu sei que quem anda no andebol já ouve este discurso há algum tempo, mas acredito mesmo que estamos cada vez mais perto», reforça.

O que não o impede de constatar que a maior parte dos clubes em Portugal trabalham com dificuldades incomparáveis à realidade que encontrou em França, onde o salário médio dos jogadores de I divisão é superior a 5 mil euros, e o orçamento médio dos clubes está acima dos 4 milhões. «Em Portugal ainda há clubes como o ABC, que, com orçamentos extremamente reduzidos, conseguem criar boas equipas e formar bons atletas. Mas continuo a achar que os clubes com mais condições podiam fazer melhor trabalho no andebol», conclui.