«Os árbitros enganam-se muito, ou não? Como se explica que para três peritos sentados no sofá, a ver [os lances] na televisão, haja pelo menos 50 por cento de jogadas em que não estão de acordo?»

As perguntas são-nos enunciadas por António Luís Montiel, autor do livro «O Caso dos Casos no Futebol – Investigando as origens das polémicas de arbitragem», publicação que tem o apoio do Conselho de Arbitragem da Federação Portuguesa de Futebol e que será lançada nesta quinta-feira, às 18:30, no Salão Nobre da Faculdade de Motricidade Humana, na Cruz Quebrada, em Oeiras.

«A constatação das numerosas divergências de opinião (...) convidou-nos a refletir sobre quais sejam os fatores que geram a discussão nos casos de arbitragem, não já entre o público em geral, mas, também no restrito universo de peritos de arbitragem e com recurso a imagens televisivas.»

«O principal motivo desta publicação é (...) dar conta de dois trabalhos: um estudo da imagem da eficácia da arbitragem e outro estudo sobre os fatores que geram a discussão nos casos de arbitragem.»

Este «estudo» resulta de uma «análise dos dados recolhidos de um objeto concreto: as críticas dos casos de arbitragem» do «Tribunal O Jogo», um espaço de comentário de três peritos em arbitragem à avaliação pelos árbitros de lances de jogos do campeonato português. No âmbito desta análise couberam, assim, 42 jogos de Benfica, FC Porto e Sporting da 1ª volta da Liga 2011/12, com 210 lances sob a perspetiva de 630 comentários.

«Destaca-se a surpreendente constatação da discordância de opinião entre três peritos de arbitragem, que analisam as jogadas perante umas mesmas imagens televisivas. Se eles (...) não são capazes de produzir um parecer coincidente, está mais do que justificado o debate sem fim dos casos de arbitragem entre comentadores não especializados em arbitragem nos meios de comunicação social e, ainda mais, entre os adeptos que discutem no estádio, no café ou entre amigos e colegas de trabalho.»


«Uma leitura atenta dos comentários críticos dos três ex-árbitros permitiu constatar que a discordância era maior do que a aparente (...), havia circunstâncias em que (...) coincidiam na avaliação de uma decisão do árbitro no jogo, mas divergiam nos motivos que fundamentavam a avaliação.»



«A pergunta fundamental, suscitada pelo estudo da imagem das arbitragens (...) é justamente esta: quais são os fatores que geram a discussão sobre as arbitragens de jogos de futebol? Qual é a causa dos casos? Ou, por assim dizer, quais são os “casos” dos casos de arbitragem?»

«O propósito deste trabalho é tentar perceber como é possível que três peritos de arbitragem, perante as mesmas imagens televisivas, não consigam produzir uma avaliação unânime dos casos dos jogos.»

«Procuraremos caraterizar as situações que originam o desencontro de opinião e identificar parâmetros que, generalizados, alcancem o valor universal para explicar as causas [o “caso”] de todas as discussões [“dos casos”] que a arbitragem é tão propícia em fomentar.»


«Analisaremos, pois, as opiniões declaradas no Tribunal como uma experiência particular de que se pretende retirar conclusões que sejam válidas universalmente para entender os fatores que contribuem para as discrepâncias de opinião nos casos de um jogo de futebol.»

António Montiel explicou ao Maisfutebol ser necessário «classificar o tipo de lance que gera polémica», como os penáltis, a exibição de cartões, as mãos na bola ou os fora de jogo, por exemplo, assim como ter em conta «as situações em que o árbitro apita e aquelas em que não apita», bem como extrair «os lances potencialmente polémicos, dos não polémicos».

«Qualquer decisão do árbitro é potencialmente polémica», refere o Professor Especialista em Orientação da Aprendizagem e Coordenador Pedagógico da Academia de Arbitragem da FPF. «Concentro-me nos lances polémicos», diz António Montiel, lances que se dividem também entre «resolvidos ou por resolver», quando as análises dos peritos são unânimes ou divergentes de uma(s) para outra(s), respetivamente.

Fatores endógenos e exógenos

O autor do estudo adianta que «nos fora de jogo é onde há mais polémica resolvida» sendo que é entre «os lances de mão na bola onde há mais polémica por resolver». «As causas da polémica estão na natureza do próprio jogo» – como o contacto físico que não é falta, o que não é visto pela rapidez de um lance – e também «na natureza das próprias leis do jogo» – como a relatividade no fora de jogo posicional, ou num ataque promissor. Estes são os fatores endógenos.

Mas há fatores exógenos nos casos de arbitragem, que não respeitam aos lances de jogo em si: «Existe a possibilidade dos lances serem interpretados de forma diferente consoante o Clube que os protagoniza. Existe a possibilidade das polémicas dependerem da postura mais ou menos indulgente de quem os avalia.»

Em concreto, o estudo pergunta se haverá diferenças na análise dos casos a favor e contra os três clubes grandes?

«Este capítulo permite-nos alcançar duas últimas conclusões que vale a pena considerar. A primeira, que as opiniões dos críticos dão ideia de haver um Clube mais prejudicado que os outros dois. A segunda, que há um crítico muito menos indulgente com as decisões dos árbitros do que os outros dois críticos.»

António Montiel reconhece que «é difícil mudar o jogo sem o estragar», mas o seu trabalho não fica sem apontar soluções que podem ajudar a «estudar a natureza dos lances para evitar polémicas». O «investimento no treino» dos árbitros, a «criação de um observatório permanente de recolha de informação sobre casos dos jogos», o «recurso a meios tecnológicos em algumas situações concretas» ou «tornar mais esclarecedora a Lei»
nalguns aspetos apontados no estudo, são alguns dos caminhos indicados.