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Maisfutebol encontrou Valério Gama no balneário. Por telefone, claro. Estava a despir o traje de árbitro, a pintar os lábios e a colocar o rímel. Podíamos falar de lantejoulas, mas não vale a pena. Confuso, leitor? Não fique. Valério é travesti.
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Durante o dia trabalha na prefeitura de Beberibe, Estado do Ceará, no departamento de turismo. Antes do sol se pôr, faz o seu treino diário no campo mal iluminado do município. Com a noite chega a transformação. Valério esconde-se atrás da maquilhagem, das roupas excêntricas e dança para uma clientela fiel. Valério torna-se Laleska.
«Já arbitrei mais de 100 jogos. E sou muito respeitado. No futebol não há qualquer discriminação, fora de campo sim», assinala Valério, surpreso pelo contacto do outro lado do Atlântico. «É de Portugal? O meu único equipamento foi-me dado por um alemão que vive em Portugal. Simpatizou comigo e deu-me esta roupa. É bonita.»
Valério é diferente. Assume ser uma mulher em corpo de homem. «O meu maior sonho é mudar de sexo.» No mundo do futebol cearense, já todos o conhecem. E respeitam. «Ninguém me chama veado. Só ladrão. Mas isso passa-se com todos os árbitros. Não quero ser conhecido, só reconhecido como um bom árbitro.»
«Moça? Eu sou tão homem quanto você»
Os amigos corriam atrás da bola e Valério sonhava com bonecas. Os rapazes da sua rua andavam à porrada e Valério sonhava com bonecas. Os meninos de Beberibe tinham joelhos esfolados e cicatrizes na cara. Valério enfeitava-se com o batom da mãe. E sonhava com bonecas.
«Foi tudo muito natural em mim. Percebi que era gay aos dez anos. Só comecei a ver e a gostar de futebol aos 16 anos, no Mundial de 1994. Por causa do Romário, o meu ídolo. Nessa altura fui para uma equipa aqui do Ceará. Era o terceiro guarda-redes e nunca jogava. Um dia o árbitro faltou e pediram-me para ir apitar. Adorei a experiência e fiquei até hoje.»
O cabelo longo e o jeito efeminado já lhe valeram algumas situações... curiosas. «Os jogadores protestam e dizem
moça, não foi falta!. E eu respondo:
moça? Eu não sou mulher não, sou homem como você!. Eles não acreditam, ficam em pânico.»
«Espero ansiosamente por conhecer Cristiano Ronaldo»
Beberibe é uma localidade pequena. As pessoas que Valério vê na prefeitura e nos campos são as mesmas que se cruzam com Laleska nos bares e discotecas. «Há quem nem repare, há quem fique confuso, há quem fique sem saber o que dizer. Esses chamam-me
senhor árbitro e eu estou de salto alto e carteira.»
Apesar de se rir muito, a vida de Valério Gama não é simples. A sua realidade familiar, aliás, é «bastante complicada». O pai «não aceita» a condição do filho, por não o suportar de ver «com peito grande.» Dos sete irmãos, três também são homossexuais. «Há muita ignorância. Eu sou gay, amo o futebol e assumo as minhas opções. Há muitos homossexuais no futebol, só é pena que não tenham a coragem de assumir.»
Durante o ano de 2011, já a partir de Fevereiro, Valério Gama vai fazer o curso para árbitro profissional. Enquanto espera «ansiosamente» por «conhecer Cristiano Ronaldo e o futebol europeu», continuará a ser Laleska. «Orgulhosamente Laleska.»
Valério é um árbitro que veste 36, copa C.
Internacional
24 jan 2011, 18:08
Árbitro de dia, travesti à noite: a vida de Valério (ou Laleska)
«No futebol não sou discriminado, fora do campo sim», diz ao Maisfutebol
Sérgio Pereira
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