Esperaram 17 anos por isto. Poder voltar a gritar vitória numa competição internacional. Esse dia chegou agora para o River Plate, o novo campeão da Taça Sul-Americana. Há um nome comum a estes 17 anos de intervalo: Marcelo Gallardo. Em 1997 venceu a Supertaça Sul-Americana como jogador, agora levanta a Taça Sul-Americana como treinador.

«El Muñeco» é o primeiro na história do River a juntar um título internacional em campo a outro no banco. É o grande rosto desta conquista, que chega aos 38 anos, apenas sete meses depois de chegar ao seu clube de sempre na Argentina.


É a sua quarta passagem pelo Monumental. Foi lá que tudo começou para o jovem médio que se tornou rapidamente referência dos Millonarios nos anos 90, quando conquistou a Taça Libertadores, um ano antes da Supertaça Sul-Americana, e antes de sair para a Europa, em 1999. Rumou ao Mónaco, foi uma das referências da equipa campeã de França em 2000, a equipa que tinha também Barthez, Giuly, Rafa Marquez ou Trezeguet. Gallardo foi eleito o melhor jogador do campeonato gaulês nesse ano.


Regressou ao River em 2002, conquistou um torneio Clausura em 2004, voltou a sair quatro anos mais tarde, de novo para França, agora para o PSG. Após um ano em Paris experimentou o campeonato norte-americano, no DC United, antes de novo regresso ao River. Durou pouco dessa vez. Despediu-se em maio de 2010, quando viu do banco a equipa ser humilhada pelo Tigres, uma derrota por 5-1. Sem espaço mas ainda com vontade de jogar, emigrou. Agora para o Uruguai. Acabou a carreira no Nacional de Montevideo em 2011. Em Buenos Aires, por esses dias, o River descia à segunda divisão, pela primeira vez na história do clube com mais títulos de campeão argentino.


Gallardo não ficou muito tempo parado, logo depois de pendurar as botas o Nacional convidou-o para treinador. Foi bicampeão do Uruguai, também aqui festejou não só como jogador mas também como treinador. Saiu em 2012 e estava parado, até que a oportunidade de regressar ao River chegou em maio deste ano.


Ramon Diaz deixou o clube depois de conquistar o título argentino, o primeiro depois da descida dos Millonarios à segunda divisão. Enzo Francescoli, o antigo ídolo que é agora diretor-técnico do River, escolheu Gallardo. Nem ele imaginou que corresse tão bem, admite.


«Conheço-o desde que tinha 17 anos e superou as minhas expectativas. Tem enorme futuro como técnico», disse o uruguaio ao jornal «Olé» no rescaldo da festa, destacando a relação com os jogadores como a grande qualidade de Gallardo: «Todos gostam dele. Os que jogam, os que não jogam, os que estão de reserva. Isso diz muito a favor dele.»


Foi uma noite de emoção para cada adepto do River, no Monumental e em cada ponto do mundo onde há um coração «millonario». Mas foi especialmente forte para Gallardo. As imagens da entrevista que deu no final, ainda no relvado, dizem tudo. O treinador viveu sob pressão intensa nas últimas semanas, perdeu a mãe há 15 dias.


«Aconteceram muitas coisas nos últimos dois meses. É muito difícil falar», dizia, em lágrimas, na conversa com o jornalista Titi Fernandez, que viveu ele próprio um drama pessoal terrível: a filha, também jornalista, morreu no verão, num acidente automóvel no Brasil, quando cobria o Mundial 2014. Quando disse que dedicava o título à sua «vieja», a mãe, Gallardo não conseguiu terminar a frase e abraçou Fernandez.






Um turbilhão de emoções, depois de uma noite intensa. Que Gallardo partilhou com alguém especial. Nahuel, o seu filho, é apanha-bolas no Monumental. Lá esteve, junto à linha, durante todo o jogo. E o treinador fez questão de abraçá-lo em cada um dos dois golos do River na final.
 

Seguiu-se a festa, imensa.






Gritada assim pelas vozes que relatam futebol na Argentina






E com uma provocação ao arqui-rival. Sim, que esta campanha do River até ao título teve bónus: a meia-final ganha ao Boca Juniors. Algo que os jogadores do River fizeram questão de lembrar na noite da festa: quando subiram ao palco para receber a Taça, levavam camisolas com uma provocação: «Se mira y no se toca.»

 



Gallardo já estava na história do River, agora escreveu mais uma página de ouro. E este é só o começo. O seu registo no clube é notável: em 31 jogos, ganhou 18 e apenas sofreu duas derrotas. Chega à decisão do campeonato argentino com hipóteses de ser campeão, embora o Racing parta em vantagem, com mais dois pontos. Jogam ambos no domingo a decisão, o Racing em casa frente ao Godoy Cruz, o River de visita ao Quilmes.