Nahuel Pérez era um fervoroso adepto do San Martín de Tucuman, que na altura disputava a terceira divisão do futebol argentino. A paixão pelo clube tinha-lhe sido passada pelo pai. Miguel Ángel era também fanático e desde criança habituara o filho a ir ao estádio ver os jogos.

Era uma tradição familiar, aliás: sempre que o San Martín jogava em casa, Miguel Ángel, Nahuel, a irmã Yohis e a mãe seguiam em peregrinação para o Estádio La Ciudadela para apoiar a equipa.

Naquele ano de 2016, o San Martín estava na luta pela subida. Ia disputar as meias-finais do campeonato e todos os sonhos eram possíveis. Nahuel Pérez andava entusiasmado e pediu ao pai para ir com três amigos a Santa Fé, ver a primeira mão das meias-finais, frente ao Libertad.

«Papá, quero ir a este jogo, quero ir a Santa Fé!», disse-lhe.

Nahuel Pérez foi mesmo e viu o San Martín vencer fora por 1-0, mas já não voltou a casa. Nesse dia 28 de junho, o carro em que seguia embateu num camião e morreram os quatro jovens. A 300 quilómetros de casa, já depois do meio de uma viagem de mais de 700 quilómetros, Nahuel, Gastón Cajal, Fernando Andrada e Juan Carlos Grollimund perderam a vida na Autoestrada 34.

A alegria da vitória rapidamente se transformou em tristeza e, no jogo da segunda mão, o Estádio La Ciudadela encheu-se para prestar uma homenagem aos quatro jovens. Foram lançados balões, a equipa vestiu uma camisola negra, havia cartazes e bandeiras por todo o lado, o clube uniu-se no aplauso aos adeptos e o San Martín venceu por 2-0, apurando-se para a final.

Mas Miguel Ángel não viu nada disso. Nem sequer viu o triunfo da equipa na final, garantindo a subida à segunda divisão. O pai de Nahuel Pérez entrou num longo período de luto e durante dois anos não quis saber de futebol. Até que descobriu uma forma de estar mais próximo do filho.

«Um dia disse: no domingo sento-me junto à campa e vou ouvir o relato do jogo. E assim foi. Às vezes ganhámos, às vezes perdemos, mas estou sempre lá. Quando é preciso peço-lhe ele possa meter a mãozinha no jogo e ajudar o San Martín», disse Miguel Ángel a uma página de adeptos.

«O meu pai vai sempre com a minha mãe ao cemitério de moto. Vão todos os domingos e durante a semana também», revelou a irmã, Yohis Marianela, ao jornal El Tucumano.

Levam flores para colocar em cima da campa e Miguel Ángel fica a ouvir os jogos do San Martín por um velho rádio, que coloca junto ao ouvido. Mesmo em frente da campa do filho.

Há duas semanas, porém, esta imagem tornou-se viral. Enquanto ouvia o relato da vitória sobre o Deportivo Maipú por 2-0, o pai de Nahuel Pérez foi captado pela filha, que partilhou a foto nas redes sociais. A imagem teve quase duas mil partilhas e chegou aos quatro cantos do mundo.

«É uma cena que acontece sempre, mas ontem resolvi partilhá-la: motivou-me ver o meu pai assim, emocionou-me vê-lo assim, tive orgulho em vê-lo ali, um homem que perdeu tudo, um pai que perdeu o filho e que continua ali, de pé. É um momento que queria guardar para sempre na minha vida, mas a verdade é que não esperava que a foto assumisse esta dimensão», explicou Yohis.

A irmã de Nahuel Pérez conta que depois da fotografia se ter tornado viral, a família recebeu centenas de mensagens e muito pedidos de entrevistas.

«O meu pai ficou muito surpreendido com a viralização da foto. Toda a gente quer falar com ele, mas ele não pode, ele não está pronto para essas coisas», revelou a filha na mesma entrevista. Mais tarde, o pai falou com uma página de adeptos, mas essa é a única reação que se lhe conhece.

«Quando a minha filha me fotografou, nem reparei. Não dei conta. Só mais tarde é que me perguntaram: já viste a fotografia que te tirou a tua filha? Nem sabia o que era. Só depois fui ao Facebook e vi a imagem em que estava com o rádio encostado ao ouvido, a ouvir o relato do jogo, junto à campa do meu filho», explicou Miguel Ángel.

«Cada um vive o jogo como pode. Depois daquela fotografia, recebemos muito carinho de muitas pessoas. Aqui não há cores, é uma imagem que quis partilhar para passar aquela mensagem de amor e paixão, de como o futebol pode unir amigos, pais e filhos», acrescentou Yohis Marianela.

Naquele ano de 2016, quando Nahuel Pérez morreu numa viagem de carro, após celebrar uma vitória, o San Martín de Tucumán foi campeão da terceira divisão e subiu à segunda divisão.

Agora, cinco anos depois, a equipa está muito perto de voltar a subir. Desta vez à Liga Argentina. O San Martín divide o primeiro lugar com o Tigre, equipa que recebe na próxima segunda-feira, dia 15, no Estádio La Ciudadela. Em caso de vitória, a equipa garante um lugar na final de subida, de imediato.

San Miguel de Tucumán divide-se entre adeptos do San Martín e adeptos do Atlético Tucumán, naquela que é uma das grandes rivalidades do futebol argentino. Por estes dias, metade da cidade do norte da Argentina não cabe em si de contente, portanto. O sonho volta a ser real.

«Este clima que vivem os adeptos de San Martín é parecido com aquele da subida e a minha cabeça voltou àquele momento, àquela euforia antes da viagem a Santa Fé. Por isso também quis tirar a foto, por isso quis guardar no coração a imagem do meu pai diante do túmulo do meu irmão, onde tudo é do San Martín: as flores vermelhas e brancas, a foto da lápide com a camisola do clube e o chapéu, claro, o chapéu do San Martín que trocamos há cinco anos quando o sol e a chuva passam. É assim que nos lembramos do meu irmão. É assim que o mantemos vivo em nós», disse a irmã.

«Seria muito bonito se toda a gente se lembrasse dele e dos outros meninos, todos aqueles que estão a apoiar lá em cima no céu.»

Entretanto na segunda-feira o San Martín tem um daqueles que jogos que marcam uma vida e talvez Miguel Ángel volte ao estádio. Não se sabe ainda, é uma possibilidade. Mas mesmo que não vá, uma coisa é certa: vai continuar a gritar os golos ao lado do filho.

Com o rádio encostado ao ouvido.