Quem passar junto à Tapada da Ajuda, em Alcântara, quase por baixo da Ponte 25 de Abril, dificilmente acreditará que é ali que mora o líder da Liga de Honra. O histórico Estádio da Tapadinha está a degradar-se a olhos vistos desde que, este ano, o Atlético regressou às ligas profissionais e ficou impedido de jogar ali. O recinto já há muitos anos que não reunia condições mínimas e, sem dinheiro para remodelações, acabou por chumbar nas vistorias da liga. Agora serve apenas para os treinos do clube, que vai jogar à Reboleira, e perdeu a vida que o ainda reanimava aos fins-de-semana.

A amargura de um histórico longe de casa

O bar da dona Odete do Carmo, uma figura marcante do clube, está fechado. A pequena loja do clube, com alguns adereços antigos na montra, também já não funciona. No acesso ao relvado, o panorama é desolador, com as bancadas em visível mau estado. Enquanto houve futebol, os pequenos defeitos iam sendo corrigidos, fim-de-semana após fim-de-semana, mas agora, sem a equipa a jogar ali, o histórico recinto, um dos primeiros a ter um relvado em Portugal, está moribundo.

Fernando Martins, 51 anos, é um dos poucos que continua a acompanhar diariamente os treinos da equipa. Neto de um dos fundadores do Carcavelinhos FC, que na fusão com o União Foot-Ball Lisboa deu origem ao Atlético, vive o clube com intensidade desde que nasceu. Na juventude começou por jogar andebol «porque antes do 25 de Abril, nas escolas, só se podia jogar com as mãos», mas depois da revolução dos cravos, optou pelo futebol e chegou a integrar o último plantel do Atlético que jogou na I Divisão, há 34 anos.

Deus na Tapadinha com a bênção de Jesus

Manteve sempre uma ligação ao clube e chegou a integrar a direcção de Almeida Antunes, mas agora diz que é apenas um «sócio activo». Viu o Atlético cair na III Divisão e é com grande satisfação que vê, agora, o clube de regresso à ribalta. «É um momento giro, sobretudo para os mais antigos, para os que nunca abandonaram o Atlético. Foi o meu pai que me passou o veneno do Atlético. Já passei por isto, tenho dito que temos de manter os pés bem assentes na terra porque estamos numa boa fase, mas a qualquer momento pode acabar. Se o Atlético ficar na Honra já será uma vitória», conta quando se prepara para assistir a mais um treino.

Fernando Martins, «nascido e criado em Alcântara», lembra-se dos tempos em que o Atlético tinha quase quinze mil sócios e acredita que ainda vai voltar a ver a Tapadinha encher. «Acho que pode recuperar porque o Atlético ainda é um clube mítico, ainda arrasta muita gente. Tenho ido a todos os jogos, só não posso ir aos sábados. No último jogo, jogámos de manhã e tivemos mais de mil adeptos na Reboleira, não é para qualquer um», destaca Fernando que agora se dedica ao talho que herdou do pai.

A equipa tem conseguido bons resultados no Estádio José Gomes, a casa emprestada, mas Fernando acredita que a equipa também podia ter sucesso a jogar na sua casa. «Tenho a certeza que os jogadores queriam jogar aqui, já sabem onde é o buraco da toupeira, sabem onde está o trevo onde a bola prende mais e é o cheiro da Tapadinha. Isso é que nos faz falta, o cheiro da Tapadinha», conta.

O presidente Almeida Antunes junta-se à conversa para dar conta da sua amargura pelo Atlético não poder jogar na Tapadinha. Uma dor só comparável à construção da Ponte 25 de Abril que, em 1966, quando era ainda Ponte Salazar, obrigou muitos sócios, a maioria operários, a deixar Alcântara.

«Sinto pelos sócios. Aquilo que se viveu a 29 de Maio com a subida, aquela emoção, tem de voltar. A verdade é que o Atlético tinha muitos sócios nessa altura e a ponte levou muita gente daqui, para os Olivais, Chelas e Montijo. Os sócios que sentem o clube, que criaram o clube, foram afastados daqui. O clube morreu um bocado aí», conta.