O presidente do Comité Olímpico de Portugal (COP), José Manuel Costantino, mostrou-se, esta terça-feira, «preocupado» e surpreendido com «a escalada» da troca de palavras entre Nelson Évora e Pedro Pichardo, apelando ao sentido de responsabilidade dos dois campeões olímpicos no triplo salto.

«Estou preocupado com a escalada que o debate atingiu e espero, naturalmente, que haja da parte de todos alguma contenção relativamente ao que se vai dizendo. Os atletas têm todo o direito de se expressarem e exprimirem os seus pontos de vista relativamente a tudo aquilo que envolve a sua preparação desportiva e os processos desportivos do país. Isso é desejável. Mas os atletas, como o presidente do COP, têm de ter algum sentido de responsabilidade e têm de perceber que não podem dizer tudo aquilo que pensam e têm de pensar muito naquilo que dizem, atendendo à repercussão pública que têm as afirmações que produzem», defendeu, em declarações à Lusa, revelando-se ainda surpreendido com «os termos utilizados».

Constantino disse, por outro lado, que se está perante um cenário que envolve «dois grandes atletas». «O Nelson, que teve sucesso desportivo extraordinário, em condições difíceis, e que superou aquilo que eram as suas próprias limitações do ponto de vista físico e deu um exemplo de perseverança e de tenacidade que é, de facto, louvável e que, naturalmente, o país tem que estar reconhecido e tem que registar», começou por notar, falando depois de Pichardo, que «escolheu Portugal para viver, escolheu Portugal para competir e tem sido um exemplo, do ponto de vista desportivo, de permanente superação».

«Aquilo que eu espero, não é que se tornem amigos, mas é que cada um possa, no espaço da sua intervenção, respeitar aquilo do ponto de vista desportivo que foi alcançado e darem ao país um exemplo do ponto de vista das afirmações que produzem, que não ultrapassem aquilo que é socialmente aceitável. Um atleta, como o presidente do COP, tem também responsabilidades do ponto de vista social. Não pode transmitir imagens, opiniões que de algum modo desvalorizem aquilo que é o seu valor desportivo. E o seu valor desportivo, quer no caso de um, quer no caso de outro, é muito elevado», vincou.

«Devemos deixar que o clima esteja mais favorável e devemos depois, naturalmente, ter a oportunidade de conversar quer com um, quer com outro», concluiu.

Nelson Évora referiu no domingo, em entrevista à rádio Observador, que Pichardo tinha sido comprado para «ter resultados a curto prazo», contestando ainda a rapidez no seu processo de naturalização, em contraponto com o seu.

Na sequência, Pichardo, acusou-o, através da sua página oficial no Instagram, de lhe faltar ao respeito.

Pichardo foi contratado pelo Benfica em abril de 2017, na sequência da transferência de Évora para o Sporting, depois de ter desertado da concentração da seleção cubana, em Estugarda, na Alemanha.

Constantino lembra que naturalização é «uma tendência europeia»

José Manuel Constantino lembrou ainda que a naturalização de atletas é «uma tendência europeia» e não acontece apenas em Portugal, notando que a missão portuguesa aos Jogos Olímpicos Tóquio2020 tinha 19 desportistas que não nasceram no país.

«Nós estamos perante um problema que é um problema que nós já falámos várias vezes, nós tivemos na nossa missão olímpica 19 atletas que não nasceram em Portugal», recordou, referindo-se à delegação de 92 desportistas que esteve em Tóquio2020.

À Lusa, o presidente do COP notou que, desses 19 atletas, «uns iniciaram a sua formação desportiva em Portugal, outros já tinham iniciado noutros países e concluíram em Portugal e outros já tinham a sua formação desportiva concluída». «Alguns até já tinham participado pelos países de origem nos Jogos Olímpicos. Portanto, esta realidade, à escala nacional bem mais pequena do que na generalidade dos países europeus, com a migração de muitos atletas para países com economias mais fortes e podendo dar situações mais sustentáveis do ponto de vista das carreiras, é uma tendência europeia. Portugal não é uma situação exclusiva», salientou.

Sem distinguir entre aqueles que vieram para o país «por iniciativa própria» e aqueles «que vieram porque foram convidados para vir», o presidente do COP defendeu que é necessário integrar «essa dimensão e diferenciação» nas representações nacionais. «Devo até dizer que o caso do Pichardo nem foi aquele em que o processo de naturalização foi mais rápido. Nem é esse o caso. Nem foi esse o caso», lembrou, diferenciando o processo de naturalização «do ponto de vista administrativo e do ponto de vista político» da vertente desportiva.

Da missão olímpica de Tóquio2020, não nasceram em Portugal, além de Pichardo (Cuba) e Évora (Costa do Marfim), as atletas Evelise Veiga, Auriol Dongmo e Lorene Bazolo, os andebolistas Alexis Borges, Daymaro Salina e Victor Iturriza, a cavaleira Luciana Diniz, o canoísta Antoine Launay, o ginasta Diogo Abreu, os judocas Jorge Fonseca, Barbara Timo, Rochele Nunes e Anri Egutidze, as mesatenistas Fu Yu e Shao Jieni, a nadadora Tamila Holub e a triatleta Melanie Santos.