Texto da autoria do jornalista Paulo Pedrosa, publicado no Maisfutebol por ocasião dos 40 anos de José Mourinho

José Mourinho construiu com o pai, Félix Mourinho, um forte laço que cresceu envolto nos meandros do futebol. Em criança, o Zé, como é tratado em casa, acompanhava-o para onde quer que fosse, onde quer fosse. Chegou a viajar em carrinhas de peixe, a entrar no balneário dos jogadores e a funcionar como adjunto, na condição encoberta de apanha-bolas. Onde estava Félix, estava Zé, uma relação que se explica também pela forte paixão que o futebol provoca na família Mourinho.

«Ele viveu muito a carreira do pai», sintetiza Maria Júlia, a mãe de José Mourinho. «O relacionamento dele com o pai é fora do normal, é uma coisa espectacular. Lidei com muitas crianças e nunca vi um relacionamento deste. E o pai nunca esteve muito tempo em casa», tenta explicar num só fôlego.

O menino que vivia no balneário

«Quando o Zé Mário queria ir ver os treinos do pai ao Belenenses, eu dizia-lhe: ¿Vais se tudo correr bem na escola¿. E então começou a ir ao Restelo, era apanha-bolas, e ficava aflito se se atrasasse para ir para Lisboa. Quando cresceu, o pai era treinador e ele já estava no ensino secundário, e passava-se o mesmo. Ia às sextas ou aos sábados para onde o pai ia ver jogos. Entrou muito em Leiria, ficava com os jogadores no lar, era um grande entusiasmo, por isso, cresceu como homem no meio dos jogadores», conta Maria Júlia.

A maior testemunha da maneira intensa como José Mourinho vivia a carreira do pai era o próprio Félix Mourinho. «Sei que, quando deixei o Vitória de Setúbal para ir para o Belenenses, foi o Zé que sentiu mais essa mudança. Nessa altura ele tinha seis anos. Quando cheguei a casa e disse que a partir daquele dia já não era jogador do Vitória, ele chorou», conta, salientando que nessa altura começou nova etapa: «Depois ia com a avó ver os treinos e os jogos a Lisboa. Começou a entrar nos balneários, a dar-se com os jogadores, a fazer parte do grupo de trabalho do pai. Gostava de saber de tudo o que se passava. Desde os balneários ao relvado.»

Na camioneta do peixe para Portalegre

Mais tarde, Félix Mourinho abraçou a carreira de treinador. Uma situação que o fez viajar e afastar-se de Setúbal. Mas nem isso demoveu José Mourinho a seguir as pisadas do pai. «Quando já tinha 13 ou 14 anos, eu era treinador e andava por fora, o Zé arranjava sempre maneira de ir ter comigo onde estivesse. Fosse em autocarros ou na camioneta do peixe, que nessa altura transportava a mercadoria para as terras onde estava, na altura para Portalegre. Tinha de haver sempre uma maneira para estar comigo nos jogos aos fins-de-semana», relata Félix Mourinho.

A determinada altura, José Mourinho achou que deveria ter um papel mais activo no jogo. «Começou a formar equipas de apanha-bolas», conta Félix Mourinho. «Então ele ficava na parte de trás do banco de suplentes onde estava, eu dava-lhe as indicações e ele ia a correr para o outro lado do campo para as transmitir aos jogadores. E eles aceitavam o que ele dizia», refere com algum espanto. «Logo de menino começou a ouvir falar de tácticas e formas de jogar.»