Ainda ninguém sabe muito bem porque está acontecer, mas o Desporto em geral e duas grandes ligas em particular estão a cair nas audiências de TV. 

O lado mais visível desse efeito acontece nos EUA, mas atinge também o maior campeonato europeu.

A liga de futebol americano (NFL), a maior e mais mediática da América do Norte, tem perdido audiências desde o início da época.

Os especialistas têm procurado algumas justificações. Plausíveis, diga-se, mas que não encontram eco no que se passa do lado de cá do Atlântico, sobretudo na Premier League.

Tanto a NFL como a Premier League indicam o caminho ao resto do mundo. São líderes no plano mediático, têm um brutal retorno do investimento das televisões nelas. Ou seja, servem de referência e se esta tendência continuar, pode haver um efeito borboleta para outros campeonatos.

A influência de Clinton e Trump 

Como refere o Washington Post, os jogos da NFL eram vistos como «a última linha de defesa contra o crescimento rápido do cord-cutting (cancelamento de subscrições de TV) e do on-demand viewing que está a virar a indústria de pernas para o ar», ao que se junta, obviamente, o streaming ilegal, que afeta as TVs de todo o mundo.

A queda dos números da NFL indica que o futebol americano deixou de estar à parte.

Neste fim de semana, o último jogo da noite de domingo (Sunday Night Football ou SNF), por exemplo, caiu 38 por cento em relação à mesma jornada da temporada passada.

A explicação para a maior queda desde 2011 num SNF podia residir no nome das equipas: este ano jogaram Indianapolis Colts vs Houston Texans; na época passada, o jogo foi New England Patriots vs Indianapolis Colts.

Os Patriots são o segundo franchise mais valioso da Liga e o rival dessa noite os mesmos Colts. A equipa de Indianápolis esteve presente em ambos e, quanto aos Texans, são também um das equipas de maior mercado.

Neste caso específico, a única influência terá a ver com o facto de o jogo ter decorrido a par do encontro LA Dodgers vs Chicago Cubs, da liga de basebol.

Antes, o jogo entre Dallas Cowboys, a equipa mais impactante do campeonato, e os Green Bay Packers, um dos principais clubes, teve uma audiência superior em 12 por cento ao melhor jogo da tarde de domingo na mesma jornada 6.

Mas mesmo com esse dado da equipa do Texas e a de Wisconsin, a NFL apresenta quedas globais acima dos 10 por cento nas primeiras semanas, ratings que vão na mesma tendência dos Jogos Olímpicos.

Packers vs Cowboys: o jogo contou com uma homenagem a Brett Favre, um dos maiores ídolos da NFL nos últimos anos, e ajudou a minorar a queda de audiências no fim de semana

Responsável da Magna Global, que analisa audiências nos EUA, Bryan Hughes explicou que a explosão de opções modernas de entretenimento, oferecidas em mais aparelhos e a qualquer hora, estilhaçou as audiências e acelerou o declínio da televisão.

Hughes acrescentou ao Washington Post: «O Desporto parecia estar imune a isto, era live, o último bastião da transmissão televisiva. Agora parece que o mundo também o apanhou.»

Num memorando, dois executivos da NFL admitiram que «todas as estações que transmitem jogos estão a cair» e que «as janelas de prime-time são as mais afetadas».

De acordo com a imprensa norte-americana, o futebol ao domingo à noite caiu por volta de 15 por cento e o jogo de segunda à noite, outro espaço nobre, desceu 19 por cento.

Os norte-americanos procuraram perceber o fenómeno. Uma das conclusões a tirar é que a corrida presidencial entre Hillary Clinton e Donald Trump está a afetar as audiências.

Isso acontece sempre que há um ano de eleições presidenciais nos EUA. No entanto, os números estão pior do que nunca, inclusive pior do que em 2000, ano em que George Bush e Al Gore disputaram a presidência nos tribunais: obviamente, não é de descuidar também o fator Trump em 2016.

A corrida presidencial retira sempre audiência à NFL, mas os números atingiram um novo mínimo

O culto do herói nos Estados Unidos é grande e exacerbado na NFL. O quarterback é entendido nessa medida. Alguns especialistas apontam o facto de algumas estrelas do jogo não estarem presentes, para o declínio de telespectadores: Tom Brady esteve suspenso nas primeiras jornadas, Peyton Manning retirou-se, por exemplo.

A Forbes deu conta que também foram analisados os protestos que tem havido durante o hino americano e que tiverem Colin Kaepernick como protagonista. No entanto, a NFL veio negar que tal esteja a ter influência negativa entre os adeptos.

Nem com Mourinho e Guardiola

O que se passa nos EUA parece ter alguma semelhança com o que está a acontecer na Premier League.

Os números da Sky Sports em relação ao campeonato inglês caíram 19 por cento nesta temporada, curiosamente, a primeira depois de novo acordo televisivo com a liga ter sido alcançado.

No Reino Unido, não se pode propriamente dizer que a corrida eleitoral norte-americana tem efeito nos números. E também não há nenhum protesto ao hino.

Os responsáveis da Sky Sports dizem que não estão preocupados e, numa declaração prévia ao Liverpool-Manchester United desta segunda-feira, um porta-voz da estação referiu que há ainda uma série de jogos de grande cartaz que estão por acontecer.

No entanto, é de sublinhar que a Premier League viu chegar Pep Guardiola, um dos mais mediáticos técnicos no mundo, viu ainda José Mourinho chegar ao Manchester United e reanimar a rivalidade com o catalão. Para além de o Liverpool, que tem uma das maiores bases de adeptos do país, estar na luta pelo título. Mais, já houve um Arsenal-Liverpool, um Arsenal-Chelsea, um Chelsea-Liverpool e, claro, um Manchester United-Manchester City.

O Liverpool-Manchester United, jogo de maior cartaz em Inglaterra, terá servido para atenuar perdas da Sky Sports

Se nos EUA os números da NFL acompanham os que foram vistos nos Jogos Olímpicos, no Reino Unido os de futebol da Premier League têm paralelo na Fórmula 1, golfe e cricket.

E a Champions League? Não há uma indicação global, mas, curiosamente, em Inglaterra também apresentou quebras na época passada. A ITV e a Sky Sports deixaram de ter os direitos e a BT começou a transmitir os jogos. Ainda que fosse esperado um declínio - ITV e Sky Sports há muitos anos que eram os grandes players do mercado - até os jogos em sinal aberto caíram em 2015/16.

Em fevereiro, Steve Martin, responsável da M&C Saatchi Sport and Entertainment, uma agência internacional de publicidade, disse, citado pelo The Telegraph

«O mercado do Reino Unido é um mercado comercialmente enorme e se um dos cinco mercados de topo – Inglaterra, Espanha, Alemanha, França e Itália – está a ter audiências tão baixas quanto estas, ir-se-á questionar o valor (pago pelos direitos televisivos) e vai-se diretamente à UEFA.»

O desporto atingiu o pico na TV? Não se sabe, mas os números causam estranheza e há essa possibilidade, seja pelo facto de haver outros programas de interesse, seja pelo modo como o vemos num ecrã.