Época 1988/89, liga espanhola. Um brasileiro de 29 anos espalha golos e classe nas áreas contrárias. 35 golos, melhor marcador, pichichi. Hugo Sanchez (27) e Julio Salinas (20), monstros sagrados, ficam para trás nesta luta tão particular. Baltazar é mago e rei.

É este mesmo Baltazar que duas épocas depois chega ao FC Porto. Outubro de 1990. Desadaptado e condicionado pelo registo da dupla atacante vigente, Domingos-Kostadinov, faz 23 jogos oficiais (seis a titular) e três golos. Só três golos.

Chamavam-lhe o Artilheiro de Deus, pela fé inamovível. O Maisfutebol entrevistou-o, 22 anos após o adeus a Portugal, à boleia do FC Porto-Atlético Madrid. Baltazar, surpreendido pelo contato, fala emocionado sobre «dois dos amores» da carreira. Uma bela carreira. 


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«Nem sabia que o Porto ia jogar contra o Atlético. Que saudades. Se o jogo é em Portugal, o favoritismo é do FC Porto», diz Baltazar, mais interessado em perscrutar o passado do que analisar o presente. «Não conheço bem as duas equipas atuais», explica.

Aos 54 anos, Baltazar é representante de alguns futebolistas profissionais e pastor da Missão Atletas de Cristo. «Vivo em São Paulo e entrego-me diariamente a Deus, à família e ao futebol. São os três pilares da minha vida».

«Conheci um geniozinho chamado Domingos»

O registo modesto de dragão ao peito é enganador. Baltazar era um ponta-de-lança de créditos firmados, um assassino ávido pela baliza. Em 1989, ano de todas as glórias, até representou o Brasil na Copa América.

«Não joguei muito, mas marquei um golo [à Venezuela]. Os outros avançados eram Romário, Bebeto e Renato Gaúcho [e Charles]. Estar nessa competição foi o maior reconhecimento que me podiam dar», sublinha Baltazar, sempre com Deus na ponta da língua e no final das frases.

O que terá falhado, então, para ser titular no FC Porto? Baltazar encontra várias provas de defesa. Todas aceitáveis.

«Para começar cheguei numa fase adiantada da época. O grupo estava formado e eu tive dificuldades em arranjar o meu espaço. Basta dizer que os titulares eram o Kostadinov, mais rápido do que o vento, e um geniozinho chamado Domingos. A bola colava nos pés dele».

E não era só. «O Madjer ainda jogava e depois havia um atacante francês [Stéphane Paille] que era muito próximo do treinador Artur Jorge», conta Baltazar. «Eu não gosto de dizer mal de ninguém, mas o técnico nunca fez nada para me integrar. Era um homem diferente».

Baltazar falava do homem que conduzira o FC Porto à glória europeia de 1987. «O Artur Jorge era distante, sisudo, muito rigoroso. Um disciplinador. Não quero exagerar, mas acho que nunca falou comigo. Isso também contribuiu para o meu desconforto», recorda, «sem ponta de rancor».

«Se calhar já cheguei velho às Antas».

Marítimo, Chaves e Elvas: as vítimas em Portugal

Baltazar jogava pouco e tinha uma relação fria com o técnico. Foi tudo mau nas Antas?

«Imagina, claro que não. Jogar no FC Porto foi essencial no meu percurso. Foi em Portugal que aprofundei a minha relação com os Atletas de Cristo, por exemplo. As pessoas eram amáveis e a comida fabulosa. Tenho boas recordações».

Paulo Pereira, Jorge Plácido, Aloísio e Geraldão eram «os melhores amigos» de Baltazar. «Tornaram tudo mais fácil. Tive pena de sair logo no final da época, mas não era titular e ainda tinha ambição, apesar de já ter 32 anos».

Do Artilheiro de Deus poucos se lembrarão em Portugal. E até as imagens rareiam. Sobram as palavras de Baltazar: «só fiz golos a Marítimo, Chaves e Elvas [este na Taça de Portugal]. Para um pichichi da liga espanhola e internacional pelo Brasil não é extraordinário, pois não?»

Golo de Baltazar na Copa América (44 segundos):