O desfile triunfal pelas ruas de Barcelona da quarta Taça dos Campeões conquistada pelos blaugrana nos últimos dez anos foi a derradeira nota de relevo na temporada internacional de clubes 2014/15. Uma época que consolida o estatuto do Barcelona como potência dominante, a um nível que só tem paralelo com dois exemplos na história da competição: o Real Madrid dos anos 50/60 (seis títulos em 11 anos, de 1956 a 1966) e o Liverpool na viragem dos anos 70/80 (quatro em oito, de 1977 a 1984). De súbito, a ideia de ver, daqui por dois ou três anos, este Barcelona transformado no maior campeão europeu de sempre, começa a não parecer tão distante como isso.

A vitória de Berlim sobre a Juventus faz do clube catalão o primeiro da história a conseguir duas tripletas – Champions, Liga nacional e Taça - juntando a deste ano à conseguida pela equipa liderada por Guardiola, em 2009. Com isto, revolucionou-se também o livro de recordes individuais: até sábado, Samuel Eto'o (Barcelona, em 2009, Inter em 2010) era o único jogador da história a conseguir o feito de duas triplas coroas. Com a vitória sobre a vecchia signora, o leque alargou-se a mais sete jogadores: Dani Alves, Piqué, Busquets, Xavi, Iniesta, Pedro Rodriguez e Messi.

Com Dani Alves como única exceção à capacidade formadora de La Masía, a lista demonstra a linha de continuidade de um projeto e um modelo de jogo. Isto, mesmo que cinco treinadores – Rijkaard, Guardiola, Vilanova, Tata Martino e Luis Enrique – tenham passado pelo comando ao longo destes dez anos. E este é o melhor atestado da sua solidez, num contexto turbulento de polémicas e rivalidades internas, três presidências, investigações fiscais a contratos e, até uma proibição de contratar reforços por um ano, devido a irregularidades na contratação de jogadores menores.

Embora a formação seja o porta-estandarte do modelo-Barça basta olhar para a ficha do jogo com a Juventus para perceber que o sucesso não se explica com receita única: se sete dos 14 utilizados na final passaram pela cantera os autores dos três golos sobre a Juve – Rakitic, Suarez e Neymar, foram contratações sonantes, cujo valor conjunto supera os 200 milhões de euros, por força do imbróglio jurídico-financeiro da contratação de Neymar.

Foi no equilíbrio entre estes dois pólos, formação e reforços de elite, que Luis Enrique conseguiu níveis de rendimento superiores aos do melhor Guardiola. O técnico asturiano conseguiu um ano miraculoso na estreia em Camp Nou dando a volta por cima a uma contestação que, em janeiro, chegava a pôr em causa a sua permanência até final da época, por força de alegados desentendimentos com Messi.

Depois, o argentino embalou para cinco meses estratosféricos e enquanto o Real Madrid cometia sucessivos hara-kiris, a paz voltava ao universo blaugrana, assente no talento imparável do astro argentino e na alquimia formada com os seus dois parceiros de ataque, Suarez e Neymar. Se as campanhas das equipas comandadas por Guardiola, em 2009 e 2011, foram, porventura, mais impressionantes pela superioridade exibida, a eliminação categórica do Bayern Munique, liderado pelo pai espiritual e o facto de este Barcelona ter deixado para trás, na caminhada, os campeões de Itália, Alemanha, França e Inglaterra dá ainda mais autoridade ao novo campeão.

Nem tudo são certezas, porém, para futuro imediato, a começar pelo próprio treinador: com ligação ao clube até 2016, Luis Enrique já deixou claro que pretende ver reconhecida a proeza desta época em novo contrato. O Barcelona vai ter de lidar também com a perda de Xavi, uma das maiores referências destes dez anos de ouro e com a mais que provável saída de Dani Alves, outro dos seus rostos até aqui incontornáveis. O médio, que parece «condenado» a deempenhar papel importante noutras funções, a médio prazo, foi um dos mais festejados, tanto no relvado de Berlim como no passeio pelas ruas da Cidade. Até agora, o Barcelona soube dar a volta por cima, mesmo quando perdeu outros pilares como Valdés ou Puyol. E o gradual esvaziar da infgluência de Xavi, por contraste com a afirmação de Rakitic neste final de temporada, tem algo de simbólico nesta passagem de testemunho.

Nunca, desde que a Liga dos Campeões passou a ter este formato, o campeão europeu em título conseguiu defender a coroa. Mas, mesmo limitada nas movimentações de mercado, e dependente do talento único de Messi, se há equipa capaz de quebrar o ciclo, essa será o atual rei da Europa. Mesmo com a memória do Real Madrid dos anos 50 bem presente, o título de melhor equipa de sempre começa a parecer um objetivo mais acessível do que nunca...