Os Houston Astros venceram nesta madrugada pela primeira vez na sua história a World Series, designação pomposa para o título norte-americano de basebol. Eles eram a pior equipa da Major League Baseball (MLB) ainda há três anos, mas tinham um plano. Uma história incrível.

Antes de mais por causa disto.

Esta capa da Sports Illustrated foi publicada... há mais de três anos. Em junho de 2014 a principal revista desportiva norte-americana previa os Astros campeões em 2017 e assentava a capa, arrojada, numa reportagem por dentro do clube e dos seus métodos científicos de análise do jogo e dos jogadores.

Na altura esta capa foi recebida essencialmente com desdém. Clickbait em versão impressa, disseram. Afinal, os Houston Astros acumulavam recordes negativos em campo. Entre 2011 e 2013 fizeram três temporadas acima das 100 derrotas nos 262 jogos da época regular, sempre a piorar: 106, 107 e 101.

Mas eles tinham um plano. Precisamente desde 2011, quando chegou Jeff Luhnow, novo diretor geral, que tinha vindo dos Saint Louis Cardinals. Um facto que ainda vai ser relevante nesta história, já lá vamos. Luhnow levou consigo alguém com quem já trabalhava nos Cardinals, Sig Mejdal. Alguém que tinha um passado ligado a números e probabilidades, primeiro a trabalhar em casinos atrás de uma mesa de «blackjack», mas ao mesmo tempo a estudar coisas como engenharia aeronáutica ou psicologia cognitiva. Gostava de basebol e foi quando leu o livro «Moneyball», mais tarde também filme, precisamente sobre a aplicação da análise e estatística ao sucesso de uma equipa, que viu ali uma oportunidade. Prosseguiu uma carreira profissional e trabalhou para a NASA, entre outros. Mas acabaria por ir mesmo parar ao basebol.

Luhnow e Mejdal já tinham aplicado os seus prinícipios nos Cardinals, mas quando chegaram a Houston, numa equipa que não tinha nada a perder, puderam aplicá-os em toda a sua dimensão. Correndo o risco de, como aconteceu, perderem como ninguém.

Isso fazia parte do plano. Por causa dos maus resultados, os Astros tiveram direito durante três épocas seguidas à primeira escolha do «draft». Aquilo a que no desporto americano se chama «tanking», assumir maus resultados para tirar benefícios no «draft».

Eles disseram que não perdiam de propósito e que custava sempre perder tanto. Mas o facto é que assim foi. Pelo meio foram escolhendo os jogadores com base no seu método. Cujo fator inovador, dizem, consiste em combinar as estatísticas puras e duras com informação menos mensurável, como as opiniões de olheiros, a capacidade de trabalho de um jogador, a sua propensão para lesões. Ou seja, informação quantitativa com informação qualitativa. «Como se combina essa informação com a informação dura de uma forma que nos permita tomar as melhores decisões? Esse é o âmago do que estamos a tentar fazer aqui», dizia Luhnow no artigo da SI, que tinha por título «Astro-Matic Baseball: Houston’s Grand Experiment», e que pode ler na íntegra aqui.

Mejdal falava precisamente nas diferenças do seu método para o que é retratado em «Moneyball»: «Apesar de todos os méritos, o retrato do livro é dicotómico. De um lado os olheiros e do outro o «cromo» no canto da sala. Mas desde o início em Saint Louis, o Jeff definiu-o como uma soma. A questão não era qual deles usar, mas como combiná-los.»

O plano era a médio prazo. Foi aliás Luhnow quem apontou para uma conquista em 2017 no tal artigo da SI. «Quando estivermos em 2017, não vamos preocupar-nos assim tanto se perdemos 98 ou 107 em 2012. Preocupamo-nos em ver quão perto estamos de ganhar um campeonato em 2017», disse.

Toda esta informação, a base de dados, os algoritmos, a avaliação dos jogadores, é valiosa. O que nos leva de volta à ligação de Luhnow aos Cardinals e ao escândalo de espionagem que é outro dos contornos de filme desta história. Em 2015 surgiram informações de que os Cardinals teriam roubado informação do sistema informático dos Astros. O que levou a uma investigação do FBI, que incriminou Chris Correa, ex-diretor de olheiros dos Cardinals. Foi acusado de piratear o sistema informático dos Astros e condenado em 2016 a 46 meses de prisão.

Correa admitiu-se culpado e cumpre nesta altura sentença. Em janeiro deste ano foi irradiado pela MLB, que condenou de caminho os Cardinals a uma multa de 2 milhões de dólares e a cederem aos Astros as suas duas próximas primeiras escolhas do «draft». Mas Correa defendeu sempre, e voltou a defender agora, que tinham sido os Astros os primeiros a roubar informação aos Cardinals. Não nomeou Luhnow, mas fala em informação roubada por antigos funcionários da equipa de Saint Louis que se mudaram para Houston em 2011.

Os Astros seguiram com o seu plano. Construiram uma equipa de jovens escolhidos a dedo, sem grandes estrelas. Foram crescendo em campo, e esta época chegaram até ao fim. Mesmo. O título, frente aos muito mais «high profile» LA Dodgers, foi ganho ao Jogo 7. E o MVP das finais foi George Springer, que era a capa da tal revista de 2014, no mesmo ano em que se estreou na MLB.

A final foram sete jogos de emoções, a culminar no último, na Califórnia. Uma conquista especial para um clube com 55 anos de existência que nunca tinha chegado aqui e também para uma cidade ainda abalada pelas consequência do furacão Harvey, o mais devastador de sempre em Houston. Os jogadores dos Astros usaram ao longo da decisão nas camisolas o símbolo «Houston Strong», em solidariedade com a cidade.

Esta é uma história de filme e tem um final feliz à melhor maneira das histórias cor de rosa. Acabou com um pedido de casamento no relvado. Carlos Correa, jogador dos Astros, propôs-se à namorada em pleno relvado, em direto para toda a América ver. Ela disse sim.