Voltar a um sítio onde já fomos felizes. Dizem não ser uma boa ideia. Pela lógica, então, o regresso a um ponto onde a infelicidade nos atingiu em cheio é bem capaz de ter tudo para correr bem.

É aqui que entra a cidade de Basileia. E a história do FC Porto, pois.

Quarta-feira, 18 de feveiro, os dragões jogam pela segunda vez na cidade helvética. A primeira, a 16 de maio de 1984, acaba mal. A Juventus ergue a Taça das Taças, os azuis e brancos lamenta a arbitragem do senhor Adolf Prokop e Zé Beto perde a cabeça com um dos árbitros assistentes.

O Maisfutebol recua 31 anos e enche-se de grandes recordações com a ajuda de Mike Walsh e António Sousa, armas do treinador António Morais nesse duelo de má memória para o FC Porto.

Antes das palavras, fica o resumo da partida vencida pela Vecchia Signora: 2-1.

 

De um lado, a poderosa Juventus, treinada por um jovem [bem, pelo menos mais jovem] Giovanni Trapattoni. Do outro, um FC Porto a desbravar o caminho europeu e privado do treinador José Maria Pedroto, retido em Portugal a lutar contra uma grave doença.

Na véspera, os jornais italianos colocam Fernando Gomes, ponta-de-lança e capitão do FC Porto, a caminho do Inter Milão. Manobra de distração, claro. Para a Juve, o jogo é absolutamente decisivo, após a derrota no ano anterior na final da Taça dos Campeões Europeus.

Vale quase tudo para ganhar.  

O nome de José Maria Pedroto gritado no balneário

Nas Antas, o presidente Pinto da Costa acena com 500 contos [2500 euros], uma fortuna à época, em caso de triunfo. Mas essa não é a maior motivação para o plantel.

«No balneário gritámos o nome do senhor Pedroto», conta Mike Walsh, possante avançado, lançado por António Morais para os últimos 26 minutos da final. «Só o Fernando Gomes e outros mais antigos é que foram vê-lo antes da viagem para a Suíça. E trouxeram a mensagem: ‘ganhem por mim e pelos adeptos do FC Porto’!»

A tarefa não se adivinha simples. A Juve tem craques da estirpe de Michel Platini, Zbigniew Boniek, Marco Tardelli ou Paolo Rossi. Aos 12 minutos, Beniamino Vignola inaugura o marcador, num remate de pé esquerdo bem colocado. O malogrado Zé Beto calcula mal a trajetória e a bola entra mesmo. Mas o FC Porto, sempre num futebol apoiado, chega ao empate.

«Foi um bom golo. É um exagero dizer que foi o meu melhor, mas foi bom e ficou na memória. Se fosse o golo da vitória teria sido mais marcante. Dizem que o Tacconi foi mal batido, mas a bola saiu forte, bateu-lhe à frente e passou-lhe por cima», conta António Sousa, autor do remate.

«Foi uma jogada corrida, de pé para pé, como era normal na nossa equipa. Optávamos muito por passes fáceis e simples. O Gomes amorteceu de cabeça e o Jaime Magalhães colocou-me a bola na zona central. Venho de trás, chuto na passada, e consegui um golo de belo efeito».

AS EQUIPAS:

JUVENTUS



Jogou ainda: Nicola Caricola

FC PORTO



Jogaram ainda: Mike Walsh e Costa

Depois, o início de toda a polémica. Boniek faz o segundo da Juventus aos 41 minutos, mas os portistas juram a existência de falta sobre João Pinto.

«Fomos melhores. Esse lance fez toda a diferença. O João é carregado e fica fora da jogada. Fomos para o intervalo revoltados, a pensar no senhor Pedroto e nesse erro do árbitro»
, continua Mike Walsh.

As teorias do FC Porto são suportadas em «mais duas grandes penalidades por assinalar» no segundo tempo: «um empurrão ao Vermelhinho e uma mão do Scirea na área».

Há mais. Nos dias posteriores sabe-se que Prokop, o árbitro alemão, é apaixonado por automobilismo e sugere-se a existência de uma visita à fábrica da FIAT. Sim, a principal patrocinadora da Juve.
 

Boniek a carregar João Pinto, com Eurico e Zé Beto fora da jogada

A perder, António Morais tira Jaime Magalhães e lança Mike Walsh aos 64 minutos. «Começámos a jogar um futebol mais direto. Ganhei alguns lances pelo ar, ao lado do Gomes, trabalhei e dei tudo», conta Mike Walsh. «Faltou o mais importante: o golo. Nunca apareceu e saímos em lágrimas».

Protestos, vaias e Zé Beto de cabeça perdida. «Bateu ao bandeirinha. Era um rapaz muito quente, um vulcão. Amava o FC Porto mais do que tudo e não aguentou. Cometeu esse erro, fez mal, mas isso demonstra a paixão dele pelo clube. Aquilo foi um roubo histórico».

Zé Beto é suspenso por um ano das provas da UEFA e falha, por isso, a presença no Euro84.

O caso é narrado assim pelo jornalista António Jorge Almeida, em serviço para o Record na célebre final de Basileia:

«Mal o jogo terminou, quando o trio de arbitragem se dirigia para o local da entrega da Taça, Zé Beto entrou de pé em riste sobre o fiscal de linha, que se intrometeu entre o jogador português e o árbitro. Agarrado de imediato pelos colegas, libertou-se e aplicou um pequeno pontapé no mesmo fiscal de linha. Novamente afastado pelos colegas, investiu uma terceira vez sobre o fiscal de linha e este enfiou o pau da bandeirola na barriga do guardião português, o qual, furioso, arrancou-lha da mão e lançou-a para longe»
.

A versão de Zé Beto, falecido a 4 de fevereiro de 1990 num horrível acidente de viação, não acompanha esta descrição:

«Quando ia falar com o árbitro, o fiscal de linha virou-se e ficámos peito contra peito. Depois quis falar com ele e espetou-me a bandeirola no estômago. Se fosse uma faca tinha-me furado a barriga!»

Mike Walsh finaliza com uma ideia curiosa: «a equipa de 84 era superior à de 87. Só lhe faltava o Futre e o Madjer (risos). Eu era o único estrangeiro. O FC Porto era quase a Seleção Nacional»