Que Steven Defour é um jogador que perde facilmente a cabeça, já se tinha percebido. Bastaria lembrar os incidentes nos passados meses de agosto e setembro quando, depois de ver a sua contratação contestada pelos adeptos do Anderlecht, em apenas duas semanas, mandou calar os críticos depois de marcar um golo ao Brugge e, mais grave, fez um gesto obsceno na direção dos adeptos do Lierse, no final de um empate polémico do seu Anderlecht (2-2).

Aliás, em junho, durante o Mundial do Brasil, a sua expulsão disparatada na primeira parte do Bélgica-Coreia do Sul já tinha sido das poucas notas negativas na boa campanha dos Diabos Vermelhos.



Por isso, não foi surpreendente que o médio voltasse a ser protagonista, pelas más razões, no clássico deste domingo, em Liège, entre o seu antigo clube, o Standard, de onde saiu para o FC Porto, e o atual, o Anderlecht, para onde foi transferido pelos dragões.

A história conta-se em poucas palavras: aos 53 minutos, com o marcador em branco, e já depois de ter visto um cartão amarelo com o jogo interrompido, Defour pontapeou agressivamente a bola na direção da bancada dos adeptos do Standard. O gesto valeu-lhe segundo amarelo e consequente expulsão. Com um jogador a menos, o Anderlecht acabou por perder 2-0, deixando fugir o líder Brugge no comando da classificação. No final, na zona mista, Defour garantiu que não tinha hipóteses de saber que o jogo estava interrompido: «Estava de costas para o árbitro, a caminhar para a bancada, e os adeptos não paravam de assobiar-me, por isso não tinha maneira de saber. Chutei a bola para o jogo parar, porque estava um jogador lesionado», garantiu.

Eis o gesto que provocou a expulsão:



Mais tarde, através da sua conta no Instagram, Defour não demorou a assumir as responsabilidades, mas manteve a versão: «Apresento as minhas desculpas aos colegas de equipa e aos adeptos do Anderlecht, mesmo que não compreenda o cartão vermelho, dado que me era impossivel ver ou ouvir o árbitro»
 
 



Porém, apesar dos antecedentes que fazem de Defour um culpado fácil, a história tem dois lados, já que a resposta descontrolada do jogador se seguiu a uma série invulgar de provocações e insultos por parte dos seus antigos adeptos, motivada pela rivalidade histórica entre os dois clubes e a alegada «traição» cometida por Defour. Se os cartazes na autoestrada e nas bancadas, os cânticos chamando-lhe «Judas» ou «Steven Dehoer» (Steven P...) ainda entram na esfera do que é expectável para um jogador que troca de clubes rivais, já a receção organizada pelos ultras do clube, que teve o ponto culminante numa faixa a toda a altura da bancada de topo, onde, enquadrada pelo slogan «red or dead» uma figura a fazer lembrar Jason, o protagonista da série de filmes de horror «Friday 13» empunhava uma espada e a cabeça sangrenta e decapitada do jogador:
 



Tendo sido difundida, sem condenação ou comentários, pelas redes sociais do Standard de Liège, a imagem chocou as autoridades - desportivas, e não só - da Bélgica, colocando a direção do clube em xeque. Numa entrevista à televisão estatal RTBF, o presidente da câmara de Liège, Willy Demeyer, não hesitou em considerar que havia «uma rutura de confiança entre a cidade e o clube», mesmo admitindo que a direção do Standard foi «surpreendida» pelo comportamento dos seus adeptos.

«O incitamento à violência e ao assassínio é um crime», lembrou Demeyer, antes de considerar que «a organização da segurança nas atividades do clube custa muito dinheiro anualmente à cidade, por isso há aqui uma distorção da relação de confiança». Por sua vez, o porta-voz do clube, Oliver Smeets, garantiu que os dirigentes do Standard tinham sido enganados pela sua claque oficial: «Pedimos para ver o material que ia ser exibido, e não foi o que vimos no início do jogo. O que nos foi mostrado não envolvia Steven Defour», garantiu Smeets, que lembrou já ter existido um incidente semelhante na época passada: «na altura, foi exibida uma metralhadora que disparava sobre vítimas, de onde jorrava sangue roxo (cor do Anderlecht). Por isso, passámos a exigir controlo sobre as imagens e não apenas o texto».

Com a autarquia a forçar uma reunião de emergência com a direção do clube e a organização de adeptos, já a federação belga promete investigar o sucedido e, eventualmente, sancionar o clube de Liège, embora o seu diretor de comunicações, Robert Madou, tenha admitido não estar certo quanto ao enquadramento legal: «Foi de mau gosto e inaceitável. Não há regulamento quanto a este assunto, mas vamos ver o que podemos fazer», afirmou. Por sua vez, o diretor da Liga, Thibault De Gendt, apressou-se a condenar o sucedido no estádio Sclessin: «Uma claque revoltante, sob os olhos de milhares de crianças. Esperemos que isto não volte a suceder», declarou, citado pelo jornal Dernière Heure.

Eis a expulsão, enquadrada por tudo o que antecedeu o jogo:



Refira-se que depois da expulsão de Defour, o jogo esteve interrompido alguns minutos, devido ao arremesso de cadeiras por parte de adeptos do Anderlecht, que se envolveram em confrontos com os do Standard. Mais uma prova de que em todo este processo - que levanta questões incontornáveis sobre o que é ou não aceitável fazer e proibir num estádio - Defour esteve muito longe de ser o único a perder a cabeça.