Pouco depois do apito final do Hungria-Bélgica circulava pelas redes sociais um dado que ajudava a dar dimensão àquilo que tínhamos acabado de ver: Eden Hazard já tinha tantas assistências no Euro 2016 (3) como em toda a temporada ao serviço do Chelsea.

O dado a reter é esse, mas nem é o único, porque a exibição de Hazard não foi só assistências (até só fez uma, em quatro golos). Houve mais, muito mais, numa noite verdadeiramente de encher o olho, em que a camisola 10, número mítico do futebol, lhe vestiu na perfeição, mesmo que não pise os mesmos terrenos dos clássicos que a imortalizaram.

Eden Hazard protagonizou a maior (primeira?) exibição individual deste Europeu. A Bélgica goleou por 4-0, no seu mais gordo resultado de sempre numa fase final, superando os 3-0 a El Salvador no Mundial de 70 e à República da Irlanda neste mesmo torneio, e Hazard foi o tema obrigatório durante e no final do jogo.

Sobretudo pelas ações no segundo e terceiro golos belgas, Hazard foi o nome mais comentado nas redes sociais e, certamente, um pouco por todo o mundo entre os que viram o jogo. Diabólico e entusiasmante, como há muito não se via.

E este ‘há muito’ tem um enquadramento claro: toda a temporada 2015/16 com o Chelsea. O ano do belga em Londres foi uma autêntica desilusão, incapaz de erguer a equipa que entrou numa espiral negra bem cedo e apenas conseguiu minimizar os danos, de meio para o fim da época.

Uma lesão na anca, ainda na fase inicial da época e antes da saída de José Mourinho, limitou-o desde cedo e nunca recuperou a tempo. Aliás, após um jogo com o Leicester, Mourinho chegou a ser enigmático a esse respeito: «Não sei o que há de errado. O que sei é que em dez segundos ele tomou a decisão de sair por si próprio. Saiu e disse claramente que não poderia continuar. Disse-lhe para tentar, voltou mas voltou logo a sair. A decisão foi dele, por isso deve ser grave.»

Hazard chegou mesmo a ser acusado de integrar um grupo de jogadores que forçou a barra para que Mourinho acabasse despedido, mas, quando a saída se confirmou, o belga veio a público não só desmentir essas ideias como, inclusive, apoiar o português.

Hazard foi uma sombra em 2015/16

Ora, de qualquer forma a verdade é que, com ou sem Mourinho, a época de Hazard foi uma desilusão. Fez 43 jogos, 35 deles como titular, mas produziu muito pouco. Marcou seis golos, por exemplo, menos 13 (!) do que na temporada transata. Perceber até que ponto Hazard caiu porque o Chelsea caiu ou vice-versa foi dilema para um ano inteiro.

Mas agora chegou o Europeu e, mesmo não tendo sido brilhante ao longo da fase de grupos, Hazard já compensou com o que produziu no primeiro duelo a eliminar. E, a verdade, é que já soma três assistências, como se disse, tantas como o companheiro de equipa Kevin de Bruyne. A Bélgica, recorde-se, tem oito golos (melhor ataque do Euro) e 75 por cento nasceram dos pés da dupla. Dos 25 por cento (2 golos) que restam um deles foi…de Hazard. A obra de arte que valeu o 3-0 contra a Hungria foi do 10 belga dos pés à cabeça.

Quando o «Fenómeno» eclipsou num Mundial três anos de amargura

Um golo e uma assistência chegam, então, para criar a melhor exibição individual do Europeu? Ajudam, claro, mas não explicam tudo o que foi Hazard esta noite. Há outros dados que sustentam a pegada gigante que deixou em Toulouse. Eficácia de passe? 90 por cento. O que para quem joga na sua posição é, naturalmente, excelente. Oportunidades criadas? Quatro, mais do que qualquer outro.

E há, ainda, um dado que, sendo apenas uma nota de rodapé quando se olha para as estatísticas, também explica o brilho de Hazard: o campo das iniciativas de um para um. O belga teve sucesso em dez ocasiões em que partiu para cima do adversário. A Hungria, como um todo, teve…em cinco. Metade, portanto.

Tudo isto ajuda a perceber a dimensão do homem que teve o maio peso na primeira goleada deste Euro 2016. E, mais do que isso, ajuda a lembrar o talento imenso que alguns já viam esfumar-se.

Um caso parecido com o que aconteceu com Ronaldo, o «Fenómeno», no Mundial 2002. Na sequência de não uma, mas três temporadas para esquecer, carregadas de lesões e que muitos já viam como capazes de colocar um ponto final na carreira, o brasileiro foi aposta de Luiz Felipe Scolari para a campanha no Oriente e deu contributo decisivo para o «Penta» canarinho, marcando oito golos, o dobro dos que tinha conseguido em França, quatro anos antes, quando chegara debaixo de bem mais certezas.

A prova de que se pode render mais em um mês do que em três anos

Hazard, naturalmente, tem ainda um longo caminho a percorrer neste Europeu para ficar, sequer, perto do que Ronaldo fez na Coreia do Sul e Japão. Mas o que conseguiu os oitavos de final é mais do que um bom prenúncio: é relembrar a toda a gente que o talento continua lá. E é imenso.

É preciso não esquecer, e para voltar a Mourinho, o treinador português que melhor conhece o génio, uma tirada do, agora, técnico do Man. United que ficou para a história: «100 milhões de libras pelo Hazard? Por esse preço só levam uma perna.»