Foi como se não tivesse havido dois meses e meio de intervalo. Como se, entre a vitória mágica sobre o Manchester United e a derrota imposta esta terça-feira ao campeão europeu, houvesse uma linha contínua, a confirmar a certeza de que as grandes noites da UEFA estão mesmo de volta à Luz. Nada está decidido e o Benfica vai ter de jogar em Anfield nos limites do sofrimento. Mas a vitória por 1-0 sobre este Liverpool era, por tudo aquilo que o jogo mostrou ser desde o pontapé de saída, o melhor dos cenários a que a equipa de Koeman podia aspirar.
O jogo não foi épico, ao contrário do de Dezembro. Foi, sim, um exercício paciente de rigor, alma e inteligência táctica, palavras que não rimam com espectáculo. Mas com um Liverpool tão consistente só podia mesmo ser assim. O Benfica assumiu jogar com armas iguais ao vencedor da última Liga dos Campeões e conseguiu a proeza de ser mais forte. Acima de tudo porque encarou o jogo com a atitude ideal: com a convicção de que era possível ganhar, sem pressas e sem pressões.
Na base do plano de jogo a certeza, que cedo se estendeu aos adeptos, de que o 0-0 não era, em absoluto, um resultado para rectificar depressa. Pelo contrário: o primeiro objectivo era, tinha de ser, não sofrer golos. Daí uma equipa de tracção atrás, com três médios de combate para ganhar superioridade a Xabi Alonso (o cérebro desta equipa) e Sissoko, que Benitez colocou em campo no lugar de Gerrard, ainda à procura de forma.
Se há vitórias que começam a ser construídas de trás para a frente, esta foi uma delas. A primeira parte, que para qualquer espectador neutral terá provocado bocejos, tão distante andou o perigo das duas áreas, foi para o Benfica um teste decisivo à consistência do seu bloco defensivo. Com Alcides, Luisão e Anderson a garantirem vantagem na luta dos centímetros, o maior gigante do quarteto defensivo acabou por ser, nesta fase, o pequenino Léo, o primeiro a dar sinais de ousadia, levando os duelos para a outra metade do campo.
Koeman optou por um trio de risco-zero a meio do terreno e com isso sacrificou a ligação com o ataque. A solução mais usada, na primeira parte, foi o passe de quarenta metros de um dos centrais, para Nuno Gomes, Robert ou Simão tentarem, sem sucesso, o milagre de ganhar a primeira e a segunda bola à defesa dos «reds». Ao mesmo tempo, a solidez do triângulo era comprometida pelo erro de «casting» com Beto, que depois de ter sido herói em Dezembro voltou a chamar a si o exclusivo dos assobios.
Com o xadrez das tácticas perfeitamente encaixado, era claro que alguma mudança no jogo passaria pela saída do 16 da Luz. Koeman esperou pelos 58 minutos para passar de risco-zero a meio-risco, colocando Karagounis para ganhar critério na condução da bola. Só podia dar certo, tanto mais que as marcações afrouxaram e começou a haver espaços para circular. Poucos, é certo. Mas a partir dos 60 minutos a perspectiva de um golo deixou de ser miragem.
Era um jogo para lutadores, não para artistas. Petit ganhava protagonismo e o meio-campo encarnado estacionava vinte metros mais à frente. Koeman agitava as águas lançando Nelson para o lugar de Robert. Benitez respondia, tentando travar a subida de Benfica, com Gerrard em cima de Petit. Jogava-se mais depressa e apareciam os erros. Quase sempre do lado inglês. Aos 84 minutos, Karagounis lançou mais um dos seus slaloms pé-curto, novamente travado em falta antes da meia-lua. Simão e Petit já tinham desperdiçado livres em melhor posição. Desta vez, o 6 da Luz optou pela subtileza: bola cortada ao segundo poste, Luisão a fazer na frente aquilo que nunca deixara acontecer atrás - a cabeçada em antecipação a Hyypia e Finnan. O golo. A explosão. A paciência recompensada.
Com a Luz em delírio, os últimos minutos voltaram a mostrar a consistência do Benfica ante um Liverpool adormecido pelo ritmo enganador da primeira hora. O jogo chegava ao fim com todas as esperanças em aberto. E a certeza de que a Europa volta a passar por aqui.