Doze de setembro de 1987. O campeão nacional Benfica e o Marítimo defrontam-se no Estádio da Luz para a 4.ª jornada do campeonato. O histórico de confrontos diz que os insulares dão-se pessimamente nas visitas a casa dos encarnados. Até agora, só derrotas. Sete em sete, numa história que começa a ser escrita dez anos antes com um 6-0 e que tem um retumbante 9-0 pelo meio, em 1985.

Mas nesta noite a história vai ser outra. O conjunto insular, treinado pelo histórico Manuel de Oliveira, consegue gelar a Luz numa noite quente de fim de verão e leva para o Funchal os dois pontos. «Estão a perder o respeito às camisolas do ‘glorioso'», titula dois dias depois o então trissemanário jornal A Bola em garrafais.

Paulo Ricardo, avançado brasileiro acabado de chegar à Madeira depois de duas épocas ao serviço do FC Porto, é o herói do jogo.

Trinta anos depois, é ainda ele o responsável máximo por aquela que continua a ser a única vitória do Marítimo sobre os encarnados no antigo ou no novo estádio da Luz.

Em ação no jogo com o Benfica a 12 de setembro de 1987 (recorte do jornal A Bola)

«Se ainda tenho o jogo na memória? Mais ou menos! Já foi há 30 anos, mas lembro-me que nos primeiros 45 minutos o Benfica teve mais iniciativa, mas fomos superiores a eles defensivamente. Na segunda parte, o senhor Manuel de Oliveira disse: ‘Atenção, pessoal! Se conseguirmos o empate é muito bom’. Sabe, era perante o Benfica, campeão nacional no ano anterior, e arranjar um empate no terreno deles era muito bom. Era muito difícil jogar contra o Benfica na Luz. O senhor Manuel de Oliveira era um técnico muito estratega e astuto em termos táticos. No segundo tempo armou a equipe de forma a que a gente conseguisse tapar as linhas de passe do Benfica», recorda em conversa com o Maisfutebol.

O Marítimo fez mais do que isso. Manteve a baliza a zeros e deixou o a Luz de boca aberta do primeiro ao terceiro anel. Paulo Ricardo, que até se lembra melhor do jogo do que começou por dizer, descreve com precisão notável a jogada do lance que originou o único golo do jogo.

«Foi uma perda de bola do lado esquerdo do Benfica e o Jorge Silva, que era um jogador rápido e muito bom em termos técnicos, ganhou a bola, progrediu para a frente e cruzou da linha de fundo. Eu antecipei-me aos centrais e consegui rematar para longe do Silvino.»

De pé, terceiro a contar da esquerda (foto: arquivo pessoal)

Sem poder contar com vários jogadores por lesão – casos de Chalana, Pacheco, Rui Águas ou Carlos Manuel – o Benfica não consegue recuperar do murro no estômago e averba, à quarta jornada, a segunda derrota para o campeonato dentro de portas. Apesar das baixas, Paulo Ricardo sublinha que, ainda assim, os encarnados tinham uma equipa de grande qualidade. «Sabe que o Benfica daquela época era Mozer, Diamantino, Veloso, Magnusson… entre outros jogadores de seleção! Claro que ficámos surpreendidos por ganhar. Ninguém esperava.»

O dinamarquês Ebbe Skovdahl, que tinha rendido John Mortimore no comando das águias no verão, era o capitão de um barco à deriva – havia de deixá-lo a meio da época – e que meteu água tantas vezes no início da época que o atraso para o rival acabou por tornar-se irrecuperável.

O FC Porto. O FC Porto ajudado pelo «seu» Paulo Ricardo, é isso? Alto lá!

«Não é o meu FC Porto [risos]. Eu sou do V. Guimarães. Depois é que vem o FC Porto. Foi aqui em Guimarães que nasci para o futebol em Portugal. Depois, o FC Porto contratou-me e fui campeão nacional e europeu. No Marítimo foi lá que nasceu o meu filho e foi onde também onde tive melhores condições financeiras. Guardo excelentes recordações», aponta.

Aos 57 anos, o antigo avançado vive em Guimarães, cidade que o acolheu em 1982 depois de uma passagem por Espanha atalhada por chatices burocráticas.

«Estive lá três meses mas, como era estrangeiro, tinha de casar para assinar contrato. Na altura estava com 22 anos e nem tinha namorada. Recusei essa situação, está a perceber? Vim para Portugal com o meu agente desportivo e cheguei ao V. Guimarães, onde o técnico Manuel José e o presidente Pimenta Machado me acolheram bem. Foram três anos maravilhosos», recorda.

Segundo a contar da esquerda na fila de cima. Paulo Ricardo jogou no FC Porto entre 1985 e 1987

Paulo Ricardo teve um percurso sólido no futebol português, com várias épocas na 1.ª divisão divididas por V. Guimarães, FC Porto e Marítimo. Para além da história em que foi herói na Luz nessa noite de 12 de setembro, há mais outras. Na época seguinte voltou a fazer das dele contra o Benfica e contra Silvino, num empate a um golo no Funchal para a 6.ª jornada do campeonato. «Marcou o Vata e depois o Paulo Ricardo», recorda assim mesmo, na terceira pessoa.

«Se eu tinha queda para marcar ao Benfica? Ao Benfica e também ao Sporting», completa. Verdade. Nessa época marcaria também aos leões numa derrota caseira por 2-3 e alguns anos antes, ao serviço do V. Guimarães, chegou a bisar em duas goleadas aplicadas aos eternos rivais lisboetas por 4-1.

Neste sábado, o Marítimo visita a Luz com o desafio de somar apenas a segunda vitória da história em casa do Benfica. Paulo Ricardo já não pode servir de cicerone para o golo, mas não se importa de passar a dividir o protagonismo: «Aquela noite vai continuar marcada, mas espero que façam um bom jogo e, quem sabe, façam o mesmo.»